INCÊNDIOS: O FIM DO MUNDO RURAL
Quando era miúdo passava as férias grandes na zona de Viseu, no mundo rural profundo.
Nesse tempo havia mais terrenos cultivados, por isso havia menos floresta do que há agora e estava limpa; roçar o mato - a tarefa mais humilde de entre todas as tarefas rurais - servia para limpar a floresta, para fazer a cama dos animais nos estábulos e para eliminar a lama das ruas; regularmente o mato era retirado e colocado nas terras a servir de adubo, sendo logo substituído por novo.
A minha aldeia tinha cerca de trezentas pessoas, a maioria das quais eram dotadas de grande energia e capacidade de trabalho.
Também havia loucos, incendiários, madeireiros e bombeiros corruptos e oportunistas, descuidos, acidentes e azares.
Quando havia incêndios o sino tocava a rebate; estivessem onde estivessem, todas as pessoas largavam os respectivos afazeres e iam a correr combater o incêndio; os bombeiros raramente intervinham.
Esse mundo rural - bastante pobre na minha região - era mantido artificialmente pelo regime político que na altura vigorava no país através da inexistência de alternativas noutros sectores económicos de actividade; a grande vaga de emigração para a Europa dos anos sessenta e setenta é reveladora da falência desse mundo rural (ou seria do regime?).
Com o 25 de Abril o país modificou-se e abriram-se outros horizontes às pessoas.
Nas modificações que ocorreram, o mundo rural acabou por perder quase todo o seu vigor e em muitos casos quase desapareceu.
Antigamente, "ír à terra" significava retornar ao mundo rural; hoje em dia significa ir ao sítio onde vivem outras pessoas da nossa família.
O mundo rural passou a ser visto muitas vezes a partir de dentro de jipes e outras viaturas equipadas com ar condicionado, que transportam pessoas cujo conhecimento e expectativa do mundo lhes advém do que vêem nos écrans da televisão e nos computadores; algumas crianças poderão começar a pensar que a comida nasce dentro dos frigoríficos...
Irritam-me cada vez mais as muitas horas diárias que as televisões consomem a passar notícias sobre os incêndios.
A razão profunda dos incêndios reside na opção pelo abandono do mundo rural.
Julgo que em Portugal dispomos apenas de duas alternativas: revitalizar o mundo rural, ou deixar arder.
Há nas aldeias pessoas que adoram o mundo rural e outras pessoas que o odeiam; o mesmo se passa nas cidades.
Deve haver modernos modelos de desenvolvimento sustentado que permitam revitalizar o nosso mundo rural; pois não há um ministério da agricultura? pois não há escolas superiores que continuam a estudar este universo?
Por exemplo, se 10% dos chineses - isto é, 130 milhões de pessoas - gostarem de azeite, isso não poderá representar a base de um modelo?
A Ota e o TGV serão mais importantes para o país do que esta questão?
É esta intensa discussão - política - que deve e interessa ser feita; o resto das notícias sobre os incêndios são, cada vez mais, meros fait-divers de Verão.
Albano Rosa
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