Numa sexta feira que antecipa uma grande semana política retomo aos poemas.
Será de rigor uma ode heróica, que levante os corações com som de trombetas, ou, pelo contrário, um soneto mais doce a deitar água na fervura, lembrando que para o bem e para o mal estamos todos no mesmo barco - gordos e magros, de esquerda ou de direita, louros ou morenos, homens ou mulheres?
E esta "jangada de pedra" não é crível que se destaque pelo picotado e faça caminho para os trópicos nos tempos mais próximos...
Assim sendo há que aprender a viver na Europa e com a Europa. Qual Europa? Pois aí é que a porca torce o rabo...
Venha de lá então uma rábula. Um poema satírico para comentar a "situação" à moda do Zé Povinho.
Do grande Manel de Setúbal, Elmano Sadino, aqui vai uma "Sátira" certeira:
Sátira
Besta e mais
besta! O positivo é nada...
(Perdoa, se em gramática te falo,
Arte que ignoras, como ignoras tudo.)
Besta e mais besta! Na palavra embirro;
Que a besta anexa ao mais teu ser define.
Dás-me louvor servil na voz do prelo,
Grande me crês, proclamas-me famoso,
Excelso, transcendente, incomparável,
Confessas que d'Elmano a fúria temes...
E, débil estorninho, águias provocas,
Aves de Jove, que o corisco empunham!
És de rábula vil corrupta imagem;
Tu vendes o louvor, como ele as partes,
Mas ele na enxovia infâmias paga,
E tu, com tústios, que aos caloiros pilhas,
Compras gravatas, em que a tromba enorme
Sumas ao dia, que de a ver se embrusca,
Qual em tenra mãozinha esconde a face
Mimoso infante de papões vexado.
Útil descuido aos cárceres te furta,
À digna habitação de ti saudosa
(Digo, o Castelo), estância equivalente
Aos méritos morais, que em ti reluzem.
De saloios vinténs larápio sujo,
A glória do teu ódio restitui
A quem no teu louvor desacreditas.
Se honrada pelos sábios d'Ulisseia
(D'Ulisseia não só, de Lísia toda)
Galgando a Musa minha aos céus não fosse,
E se a nojenta epístola brotasse
Dentre o lameiro das ideias tuas,
Em regras, que são mais ou que são menos
Do que exigem do metro as leis d'Apolo
(Em regrinhas aquém e além do metro,
Que versos hão-de ser, ou versos foram,
Quando o que a Musa quer é só que o sejam),
Dissera a gente, gritaria o mundo:
«Louvado e louvador são dois patetas!»
Ó versos aleijões! De Insauro ó versos!
Prosa de toda a gente e versos dele!
Fora! Eu me benzo, eu renuncio o pacto!
Antes um corno pelos peitos dentro,
Que um verso de Saunier pelos ouvidos,
Bem que, indagados de atenção miúda,
Sinónimos parecem corno e verso,
Quando em linhas venais galegos tentas,
Teus sócios, teus colegas, teus patronos;
Ou quando sensabor, ou quando insano
Louvas de graça e por dinheiro infamas
(Que a resposta, eu bem sei, rendeu-te cobres).
Falas em faixa? E com que faixa, e como!
Não sabes que, apesar da atroz gravata,
Sai teu focinho a malquistar-te às vezes
Com quantos olhos há, que todos negam
Seres da espécie racional primeira,
E a negra forma macacal te impinge?
Quindorna tens, que por amor te engoma.
Tanto sofreis, ó Cotovia, ó Taipas!
Jamais se envileceu luxúria tanto,
E tanto na eleição jamais cincaste!
Só se vós por ser burro amais Insauro!
Esses podres c..., que vendem peste,
Esses, meu nome, teu trovão, teu raio,
Esses, em súcia torpe, aonde és gente,
Meu nome, a glória minha enxovalharam;
Que mulher de decoro, esposa virgem,
Se manchasse em te ouvir seu grau, su'alma,
O caos volvera e se abismara o globo.
Espoja-te a meus pés, baqueia, ó bruto,
E em actos burricais o que és pregoa!
Ou da matula vil, onde patinhas,
Irás à Fama em sátiras d'Elmano,
Que é pior para ti do que ir ao Letes!
Bocage, in 'A António Crispiniano Saunier