Houve tempos em que ser provinciano tinha conotações menos positivas. Era ser "tacanho", "pouco polido", "bisonho" ou "rústico".
Isto para utilizar apenas adjectivos simpáticos. Porque o que se podia chamar ao dito cujo era bem pior. Começava com a palavra "saloio" e acabava com coisas como "burro" ou "calhau". E até havia malta citadina que dizia que " a maior diferença entre um provinciano e um penedo é o olhar inteligente do penedo".
Os provincianos também não se ficavam. Ficou célebre a fala do padeiro de Mafra, gozado em Lisboa por um grupo de fidalgotes que tinha ido aos fados: "levanta-se um homem tão cedo para dar de comer a semelhantes bestas!"
Não vou aqui falar dos grandes exemplos de vultos extremes da nossa cultura que nasceram sem vista de cidade. Por exemplo, o Padre Manuel Antunes , um dos mais importantes Jesuítas portugueses do século passado, classicista e filósofo, filho de aldeões, que fez o exame da 4ª classe descalço em Guimarães. Ou o grande Aquilino Ribeiro de Sernancelhe.
Prefiro reparar na qualidade de vida que ainda se pode ter nesses locais afastados das grandes cidades.
Sítios onde almoçar e jantar fora são muito mais baratos, onde ainda é possível escolher o que se come e o que se bebe em casa dos produtores, e, finalmente, onde o maior stress do cair da noite não será a fila interminável de 45 minutos para fazer 7 km, mas sim ter de ouvir a vizinha do lado a dar uma "bernarda" ao marido, por ter chegado um pouco "aviado" do café.
Para já não falar da ausência de poluição e do facto de parecer que os dias ( e as noites) têm horas a mais. Horas para conviver!
E onde a conversa à mesa seria sobre o lavrador que nos vendeu a rês de onde veio a carne de vitela, e não sobre o super-mercado onde uma embalagem com o mesmo nome pode ser comprada.
Imaginem um local onde 6 pessoas à mesa deram conta de três travessonas de vitela assada maronesa, 3 garrafas de bom vinho, excelente broa e pão de trigo, queijos, doces e cafés. Tendo tudo isso custado ...72 euros.
Falta a FNAC, falta o S. Carlos, a Casa da Música, ou o Coliseu? Falta a Gulbenkian? Falta o Bairro Alto e a Ribeira ou a Foz?
Pois faltam. Não se pode ter tudo...
Mas há alturas da vida em que se começa a dar mais importância às outras coisas mais simples.
E a invenção do satélite permite hoje ter Banda Larga em 100% do território nacional. E acesso às TV's por cabo. E a possibilidade de termos quase todos os livros do mundo no IPad.
Que tentação...
Um comentário:
Fernando Pessoa, melhor do que ninguém, definiu bem o provincianismo:
"Se, por um daqueles artifícios cómodos, pelos quais simplificamos a realidade com o fito de a compreender, quisermos resumir num síndroma o mal superior português, diremos que esse mal consiste no provincianismo. O facto é triste, mas não nos é peculiar. De igual doença enfermam muitos outros países, que se consideram civilizantes com orgulho e erro.
O provincianismo consiste em pertencer a uma civilização sem tomar parte no desenvolvimento superior dela — em segui-la pois mimeticamente, com uma subordinação inconsciente e feliz. O síndroma provinciano compreende, pelo menos, três sintomas flagrantes: o entusiasmo e admiração pelos grandes meios e pelas grandes cidades; o entusiasmo e admiração pelo progresso e pela modernidade; e, na esfera mental superior, a incapacidade de ironia."
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