quarta-feira, dezembro 16, 2015

Na Província



Houve tempos em que ser provinciano tinha conotações menos positivas. Era ser "tacanho", "pouco polido", "bisonho" ou "rústico".

Isto para utilizar apenas adjectivos simpáticos. Porque o que se podia chamar ao dito cujo era bem pior. Começava com a palavra "saloio" e acabava com coisas como "burro" ou "calhau".  E até havia malta citadina que dizia que " a maior diferença entre um provinciano e um penedo é o olhar inteligente do penedo".

Os provincianos também não se ficavam. Ficou célebre a fala do padeiro de Mafra, gozado em Lisboa por um grupo de fidalgotes  que tinha  ido aos fados: "levanta-se um homem tão cedo para dar de comer a semelhantes bestas!"

 Não vou aqui falar dos grandes exemplos de vultos extremes da nossa cultura que nasceram sem  vista de  cidade. Por exemplo, o Padre Manuel Antunes , um dos mais importantes Jesuítas portugueses do século passado,  classicista e filósofo, filho de aldeões, que fez o exame da 4ª classe descalço em Guimarães.  Ou o grande Aquilino Ribeiro de Sernancelhe.

Prefiro reparar na qualidade de vida que ainda se pode ter nesses locais afastados das grandes cidades.

Sítios onde almoçar e jantar fora são muito mais baratos, onde ainda é possível escolher o que se come e o que se bebe em casa dos produtores, e, finalmente, onde o maior stress do cair da noite não será a fila interminável de 45 minutos para fazer 7 km, mas sim ter de ouvir a vizinha do lado a dar uma "bernarda" ao marido, por ter chegado um pouco "aviado" do café.

Para já não falar da ausência de poluição e do facto de parecer que os dias ( e as noites) têm horas a mais. Horas para conviver!

E onde a conversa à mesa  seria sobre o lavrador que nos vendeu a rês de onde veio a carne de vitela, e não sobre o super-mercado onde uma embalagem com o mesmo nome pode ser comprada.

Imaginem um local onde 6 pessoas à mesa deram conta de três travessonas de vitela assada maronesa, 3 garrafas de bom vinho, excelente broa e pão de trigo, queijos,  doces e cafés. Tendo tudo isso custado ...72 euros.

Falta a FNAC, falta o S. Carlos, a Casa da Música,  ou o Coliseu?  Falta a Gulbenkian? Falta o Bairro Alto e a Ribeira ou a Foz?

Pois faltam. Não se pode ter tudo...

Mas há alturas da vida em que se começa a dar mais importância às outras coisas mais simples.

E a invenção do satélite permite hoje ter Banda Larga em 100% do território nacional. E acesso às TV's por cabo. E a possibilidade de termos quase todos os livros do mundo no IPad.

Que tentação...

Um comentário:

Américo Oliveira disse...

Fernando Pessoa, melhor do que ninguém, definiu bem o provincianismo:

"Se, por um daqueles artifícios cómodos, pelos quais simplificamos a realidade com o fito de a compreender, quisermos resumir num síndroma o mal superior português, diremos que esse mal consiste no provincianismo. O facto é triste, mas não nos é peculiar. De igual doença enfermam muitos outros países, que se consideram civilizantes com orgulho e erro.

O provincianismo consiste em pertencer a uma civilização sem tomar parte no desenvolvimento superior dela — em segui-la pois mimeticamente, com uma subordinação inconsciente e feliz. O síndroma provinciano compreende, pelo menos, três sintomas flagrantes: o entusiasmo e admiração pelos grandes meios e pelas grandes cidades; o entusiasmo e admiração pelo progresso e pela modernidade; e, na esfera mental superior, a incapacidade de ironia."