Há Capote na Costa!
Muitas povoações da nossa costa sofrem actualmente de uma moléstia que, à falta de melhor adjectivo, designaria por “síndrome quarteiral", querendo com isto transmitir a impressão de justo desagrado que aguarda o comum dos mortais quando, ao chegar, se lhe deparam construções a mais e povoação a menos, prédios a mais e orla marítima a menos ou, enfim, mais pessoas do que passeio e mais viaturas do que rua!
Estes sinais externos são reveladores de uma fatídica tendência para imitar aquilo que - no género- de pior se terá deixado fazer no Algarve nos últimos anos. Daí o cognome da doença...
Também a Costa da Caparica, sofre as consequências de não ter planeado e implementado de forma conveniente a sua expansão urbanística, comprometendo a apreciação estética do passante, seja ele, ou não, devoto da Nossa Senhora do Monte - orago local - cujo manto, ricamente decorado, teria dado origem ao patronímico da Vila.
Subindo a antiga Rua dos Pescadores, em direcção ao mar, encontramos do lado esquerdo, no nº40-B, o Restaurante “O Capote”, local que desta vez escolhemos para avaliar os respectivos dotes culinários.
O Restaurante divide-se em duas salas, sendo a do rés-do-chão pouco mais do que um corredor com algumas mesas que dá acesso ao 1º andar, onde se está bem melhor graças à área disponível e à claridade natural proporcionada por largas vidraças. A decoração, como se esperaria duma casa deste tipo, é rústica, mas acolhedora, com predominância para as madeiras de castanho e para os materiais utilizados na amesendação: toalhas e guardanapos de pano, pratos, copos e talheres a preceito.
Embora a lista inclua sugestões de índole carnívora, é obvio que quer a localização geográfica quer a própria filosofia de gestão da casa nos impelem para explorar as propostas baseadas em produtos marítimos.
Nesta ocasião escolheu-se “sopa de peixe” para iniciar as lides, seguida de uma “fritada mista de peixes à moda da casa”, tendo-se concluído a refeição com um “caldo de massinhas” confeccionado a partir do primeiro prato.
Convém aqui explicar que a “sopa de peixe” assemelha-se mais a uma caldeirada do que propriamente a uma sopa, sendo o preparado, todo ele feito em cru, adicionado dos temperos habituais, de forma a realçar a excelência da matéria prima. Nesta interpretação culinária calhou-nos uma boa posta de robalo fresco cuja delicadeza natural foi realçada pela qualidade da preparação. Ficou-nos, sobretudo, na memória o envolvente aroma que se desprendia do tacho que veio à mesa.
A “fritada mista” continha linguados, pescadinhas de rabo na boca e carapaus pequenos. A travessa vinha decorada com pão frito embebido em salsa e como acompanhamento foi-nos sugerido um arroz de tomate “malandrinho”. Prato aparentemente simples de executar mas que, como era o caso, quando bem interpretado, permite sensações degustativas de muito alto nível. Peixe fresco, óleo novo de boa qualidade e sábia mão ao pé dos fogões são, evidentemente, os condimentos necessários para o sucesso desta receita tradicional.
O “caldo com massinhas”, que esteve apurando enquanto nos debatíamos com os pratos precedentes, não podia estar mais saboroso.
Acompanhámos a refeição com um vinho branco “Quinta do Carmo” 2002, herdeiro de uma antiga colaboração entre o Engº Júlio Bastos e a respeitada “Maison Rothschild”. Na nossa opinião, um dos melhores vinhos brancos portugueses, sem "madeira", actualmente disponíveis. Como seria de esperar, não decepcionou.
Compondo o ramalhete com os inevitáveis cafés e digestivos (Balvenie Malte de 10 anos), custou esta refeição 30 € por pessoa.
Podem os antigos locatários e veraneantes da Costa da Caparica carpir, com razão, as suas mágoas face ao actual enquadramento paisagístico daquela localidade.
Do ponto de vista gastronómico, porém, existe um oásis chamado “O Capote”, bem no centro da selva urbana em que a vila se transformou. Serviço diligente e amigável, comida honestamente confeccionada, matérias primas acima de qualquer suspeita.
E mais não se pode exigir.
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