quinta-feira, julho 28, 2005

O CORREIO-MOR FEITO PELOS SEUS LEITORES

TGV – parte 5 do texto do Maurício Levy

A questão do transporte de mercadorias na rede de Alta velocidade em Portugal (II)
(...continuação)

Mas há mais três pequenos ENORMES pormenores sobre a questão, que não abordei no texto anterior:
Vamos admitir que a nossa linha de AV mista se vai construir em bitola standard europeia (até para ligar á linha de AV de Badajoz a Madrid, que vai ser construída nessa bitola e que os espanhóis dizem que vai ser de tráfego misto – mas sobre isso ver ponto seguinte).

Essa bitola não é a da restante rede portuguesa e, se bem que se considere que vamos ter que fazer essa conversão nalguma altura , existe um problema de compatibilidade de bitola se assim fizermos, já que a(s) linha(s) AV serão construídas de raiz em bitola standard e, no caso em apreço, acabaremos assim, durante algum (muito) tempo com a linha de saída de Sines em AV em bitola standard e as restantes linhas da rede portuguesa em bitola ibérica.
Isso quer dizer que Portugal introduzirá uma ruptura de carga nas suas próprias fronteiras e ou se constrói duas linhas (uma de saída de Sines para Badajoz em bitola standard e outra de saída de Sines para Lisboa e o resto do país em bitola ibérica) ou se utiliza a actual linha para conexão de Sines com Lisboa e o resto do país, e a linha de AV para Badajoz, introduzindo maior eficiência nas saídas para Madrid em relação às saídas para (o resto de)Portugal.
Essa situação só poderia ser aceitável se o “hinterland” preferencial de Sines fosse a zona de Madrid... mas não é (segundo julgo saber).

Parece, então, mais lógico – e isso defendo – criar-se uma linha com vocação preferencial para mercadorias de saída de Sines para Madrid mas com antenas que sirvam o porto de Setúbal e a região de Lisboa, linha essa aliás já prevista nos planos portugueses, e construída em bitola ibérica mas passível de rápidissima reconversão para bitola standard – quando e só quando essa mesma bitola chegar á fronteira portuguesa vinda de Espanha.

Os espanhóis dizem que a linha Badajoz-Madrid vai ser construída para tráfego misto. Mas – salvo erro - não é conhecido, no Plano Estratégico de infra-estruturas daquele país (PEIT) a previsão de construção de um terminal de mercadorias acoplado a essa linha junto a Madrid (a linha de AV chega a Atocha onde é e será impossível descarregar mercadorias). O que quer dizer que durante muitos e muitos anos (pelo menos entre a data em que a linha de AV estiver pronta e cerca de 2025 – o PEIT vigora até 2020 e serão precisos alguns anos mais para construir o terminal) a linha de AV não terá serventia para transporte de mercadorias até Madrid... Aliás se lermos com atenção as declarações dos responsáveis espanhóis vemos que a construção de muitas das linhas de AV para tráfego mista representa, para os nossos vizinhos, não uma questão actual mas sim uma maneira de “reservar” o futuro (“pode ser que daqui a 20 ou 30 anos seja útil fazer passar mercadorias nessas linhas e ficam desde já prontas para isso”, disse a Ministra Espanhola quando justificou essa opção). Essa estratégia, certamente visionária e possível num país com a pujança orçamental de Espanha pode ser estimável. Mas então discutamos essa questão para o nosso país nesses termos e não querendo fazer-nos crer que as mercadorias vão fornecer desde logo á rede de AV o suplemento de receitas que se torna necessário para a rentabilizar.....

Uma linha de AV, diz-se, faz ganhar tempo de transporte. E será verdade. Mas esse critério não é o único nem sequer o principal factor de escolha apontado pelos “survey” feitos a clientes quando se lhes pede motivos de escolha do meio de transporte. O problema do transporte ferroviário de mercadorias será mais um problema de fiabilidade do transporte (não suportar atrasos de 12 ou mesmo 24 horas na entrega...) – isto é estamos perante uma questão que ainda tem pano para mangas no domínio da resolução de questões de “software” (no sentido lato) antes de chegar as limitações induzidas pelo “hardware” ( a linha) – embora seja certo que existem situações pontuais em que estes últimos problemas se colocam de imediato (no essencial ligadas a utilizações de linhas no limite da sua capacidade). Um recente estudo da situação portuguesa tende a demonstrar que o levantamento de situações de ineficiência ligadas a procedimentos, mormente de passagem de fronteira e coordenação de tráfegos, induziria ganhos de tempo na ligação Portugal-Espanha algo semelhantes aos que se obteriam pela construção de uma linha AV. Salvo melhor opinião, o problema do crescimento do transporte de mercadorias por ferrovia em Portugal não é nem exclusivamente nem predominantemente nem já um problema de infraestuturas (embora pontualmente a questão possa ter importância).

Maurício Levy

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