Esta antiga injunção lusa "castigava" aqueles "gulosos" que cobiçavam alguma iguaria sem depois ter apetite para a comer. Hoje em dia pode ser também um sinónimo popular para determinado tipo de egoísmo: "mesmo que não a possa ter também não há-de ser para ti!"
Mas no seu significado original tinha a ver com a fome que no século passado, nas décadas de 20, 30, 40 e até ao 25 de Abril, muito ao contrário do que afirmava a propaganda do Regime e da fábula da "Casa Portuguesa", de fato fustigava as nossas aldeias, vilas e até cidades.
Hoje em dia ( e espero que o futuro não me faça arrepender de escrever isto) para muitas pessoas a fome e a vontade de comer estão felizmente mais directamente ligadas às emoções ( a tristeza, a desilusão e a depressão) e muito menos às condições cruas da sobrevivência.
Fome física é a que é necessária para alertar os sentidos para a nossa sobrevivência, enquanto a Fome emocional vai muito para além dessa necessidade. É a compulsão para comer, levando-nos a comer pelas mais variadas razões, mesmo que já estejamos saciados.
Dizem os entendidos que esta compulsão para comer emocionalmente, estimulando assim os centros de prazer do cérebro, pode ter origem num comportamento social muito comum pelo qual todos ou quase todos passámos na infância: quando sofríamos algum desconforto ou nos magoávamos, e chorávamos, recebiamos em troca um beijo e um chocolate ou um bolo, como compensação.
Na modernidade dos Países desenvolvidos a carência alimentar e as suas desordens estão sobretudo relacionadas com este conceito de fome emocional.
Mas a fome física ainda existe. No Mundo obviamente, com grande relevo para a África Subsahariana, mas agora também começa a manifestar-se em Portugal.
Tive ocasião de privar com velhos aldeões lá na Beira Alta, 30 anos atrás , tendo eles 70 e muitos anos. Eram pessoas que tinham vivido durante as duas guerras - nascidos em 1905 ou por aí - e que sabiam o que era a fome verdadeira, aquela que os levava a fazerem sopas de ervas do campo e a beberem litros de água para enganar os estômagos vazios. Não só sabiam o que era a fome físicamente, como a temiam deveras e, por isso mesmo, quando se apanhavam nalgum casamento ou batizado, daqueles que duravam 3 dias (como foi o meu) aproveitavam os comestíveis disponíveis até exagerar.
Tinham mais olhos que barriga! Era verdade, e acabavam mal dispostos, quase sempre a vomitar . Mas temos que desculpá-los. O que estavam a fazer era a "armazenar" para os dias maus, como faziam nas suas juventudes, imitando os animais que praticam a hibernação. E recordavam-nos sempre que naqueles tempos "quando o pobre comia galinha um dos dois estava doente"...
Durante o meu casamento, em 1981, um desses velhos camponeses pediu licença para se chegar à minha sogra e disse-lhe:
"Dª Maria, este foi o melhor casamento a que fui! Só sopas tinha três: a amarela, a verde e a castanha!"
Lá percebemos depois que se queria referir ao leite creme, ao caldo verde e à cabidela de leitão...
Era o Tio Santidade de quem vários vezes falei aqui no Blogue. O tal que andava sempre com um osso de frango, ou de coelho, ou de cabrito no bolso.
Na opinião dele: "Só de cheirar o osso já tenho peito para um copito de tinto!"
E quem achar que era o Tio Santidade um velho besuntão, tenha cuidado. Pois El-Rei D. João VI era conhecido por também andar sempre com coxas de frango nos bolsos do real albornó!
Aqui a diferença é que um trazia o osso, o outro trazia a carne...
Como vêem o mundo não mudou quase nada. E é pena.
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