quarta-feira, julho 26, 2017

Desencontros



Nunca fui muito apologista da filosofia "carpe diem".

Melhor dito, teoricamente a ideia sempre me atraiu. Na prática,  deixei-a nos livros que li  - "On the road" do Kerouac, por exemplo -  ou nos filmes que vi .  E aqui vem à memória o iconoclasta Buñuel e o magnífico "O Obscuro Objecto do Desejo".

Isto de um cidadão viver cada dia como se fosse o último, não prevendo o futuro nem olhando para o conteúdo da carteira, sempre me pareceu que ficava melhor em ficção do que na vida real. Sobretudo para quem tem obrigações a montante e a jusante (idosos a cargo e filhos ou netos por quem olhar).

Vontade acho que nunca me faltou, mas não tive a coragem de levar por diante a ânsia de liberdade pessoal à custa do resto.  Sendo que o "resto" pesa.

A consequência de viver com um olho no burro e outro no meliante significa que se leva normalmente o burro para casa. O que é importante para quem tem apenas um burro.  Quem possuir uma "burrada" de burros e burras pode perder algum de vez em quando.

Um dos meus maiores amigos costumava gritar (em "petit comité"): Um dia hei-de ser livre!

Querendo com isto dizer que havia de chegar o dia em que poderia fazer o que lhe apetecesse, sem olhar a restrições de trabalho, familiares ou financeiras.

Porque até para ser livre é preciso riqueza, como diria o gerente de conta lá no banco,  a tentar convencer a malta a investir nalguma coisa mais arriscada.

A conversa vai longa. Passemos então ao cerne da questão: o facto é que já me tenho arrependido de por vezes não ter mandado a prudência às urtigas e assumido alguma atitude mais revolucionária.

E não falo apenas da escolha da cor de algum  casaco novo.

Uma decisão bem mais atrevida! Como a de reservar uma semana de férias para mim próprio.

Ir a Paris vaguear pelo Quai Branly e ver a exposição sobre o Picasso Primitivo (fecha no fim deste mês), almoçar no Lucas Carton,  que depois do grande Alain Senderens tem nova gerência (Julien Dumas) que está bastante bem cotada nos periódicos parisienses da especialidade .

Passear longamente pelas livrarias da Rive Gauche, ao lado da Sorbonne, à procura de velhos textos.

Matar saudades do L'Ardoise, perto do Cour des Comptes (Mont Thabor).

Espreitar a exposição (que dizem ser notável) Anarcheologie no Centro Pompidou:
Tout pouvoir, écrit Michel Foucault, ne repose jamais que sur la contingence et la fragilité d’une histoire ». Le développement de l’archéologie comme « science du commencement », au début du 19e siècle.

E, muito importante, acabar as noites no Méridien l'Étoile , mergulhado numa sessão de Jazz na famosa  sala de espectáculos com o mesmo nome, considerada um dos melhores jazz clubs da Europa. Podem ver aqui na foto.

Cinco dias em Paris. 5000 euros para gastar (alguns dos quais em vinhos...).

Não parece inatingível. Não é nenhuma estadia numa  ilha para milionários,  não estamos a falar de uma digressão pelo Nepal à procura de "iluminação". Ou de uma visita às Maldivas para nadar no meio dos tubarões (penso que dentro de jaulas).

Vamos sonhando e pelo sonho é que vamos. Ou ficamos em casa...

E quanto ao casaco,  depois de muito pensar, será azul, como os outros 3 que estão lá pendurados no meu armário...

Um dia serei livre. Mas não será ainda amanhã.