Vem este início de conversa para falar da importância que o cheiro tem na cozinha, de como o nosso prazer em comer fica ressentido se para além da vista e do palato não estiver também em jogo o já referido "olfato". Neste fim de semana, aproveitando ter trazido da Beira as couves tenrinhas que me fartei de elogiar aqui no Blogue, fiz um cozido à portuguesa para os três: Senhora Mãe, Sr. Senhorio e o Moi mesmo.
Mal empregado, já se sabe, para tão pouca gente...Mas com a vantagem de poder ( e assim será!) aproveitado durante a semana, ou tal e qual, ou em tortilha dos conteúdos, envolvidos em ovo, salsa e cebola.
Mas infelizmente eu estava de nariz tapado. Depois da 2ª infusão do VIC vi logo que "aquilo" não tinha escapatória. Era mesmo preciso comer o cozidinho sem que me subissem pelas narinas os eflúvios divinais das carnes e do caldo das mesmas, à medida que o processo de cocção (ou coção?? isto está a ser penoso, o Acordo raio que o parta!) se desenrolava à minha frente, dentro das panelas.
E lembrei-me de outras alturas em que esta predisposição para o "tamponamento nasal" me afligiu, umas chatas , mas outras que se transformaram em autênticas dádivas dos céus.
A minha falecida mulher embirrava com "cheiros estranhos". E nem estou a falar dos casos em que qualquer mulher suburbana a primeira coisa que fazia quando o homem chegava a casa era dar-lhe uma boa "snifadela", não fosse ele vir a tresandar a perfume alheio...
Nota: meu Pai, que tinha experiência para dar e vender, falava sempre da grande vantagem em oferecer sempre a mesma marca de perfume , dentro e fora de casa... Acho que esse conselho ainda hoje se mantém actual.
Mas como dizia, a Natália embirrava com cheiros mais ativos, pelo que não podia entrar em casa, aos fins-de-semana, infestado do cheiro a peixe ( sempre gostei de mexer no peixe se me deixassem) ou do odor a cavalo, (se tinha passado a manhã na Quinta da Marinha). Isto é, poder , podia, mas havia resmungos certos e sabidos.
Também a minha santa cá de baixo sempre foi avessa a maus encontros deste tipo, pelo menos até ter tido um dos AVC's que lhe retirou na maior parte o sentido do olfato. Já aqui falámos de algumas vantagens que tenho recolhido por causa disso. Dentro e fora de casa... Sempre são dois homens sozinhos que por ali moram e demoram.
Ora um dos episódios sobre esta temática que melhor recordo, com saudade, foi a visita a Portugal dos Agentes Internacionais da Filatelia, uns 20 anos lá para trás já, com acompanhantes de todo o mundo, para uma das nossas reuniões anuais. Nessa altura a reunião era na Zona Centro, o que deu azo a leitoadas (já aqui alguns narizes franziram) nas Caves de Espumantes da Bairrada, sessões de Fado de Coimbra na Lusa Atenas, visitas guiadas ao Buçaco e à Serra da Boa Viagem, na Figueira da Foz e terminando com Aveiro e Ílhavo e com a visita ao Museu da Vista Alegre (tudo bem) mas também às salgas e secas de bacalhau (tudo mal)...
A auto-estrada Lisboa-Porto tinha-se inaugurado há meses e por isso mesmo a maioria dos Agentes até estranhou quando tomámos uma estrada interior perto de Cacia, dirigidos a Ìlhavo.À medida que nos aproximávamos um "odor" forte e caraterístico invadiu o autocarro.
Eu, já naquela altura um otimista de gema. dizia feito parvo:
" É o cheiro a maresia! Estamos cada vez mais perto do Mar!"
Mas o que insultava as nossas narinas nada tinha a ver com o Mar, coitado! Eram os tenebrosos eflúvios que vinham das fábricas de celulose da Portucel, ali tão perto! Cheiro a latrina que fedia tanto mais quanto mais nos aproximávamos...
Depois dessa gaffe, ainda nos esperava outra pior: se um português pode perdoar ao "fiel-amigo" algum cheiro a "bedum" - para não falar de outras coisas piores - imaginem uma inglesa ou um holandês, da high society, a passearem-se por entre filas de bacalhau a secar ao ar... Bacalhau ainda húmido da salga está visto...
Já não tive coragem de servir bacalhau naquele almoço. Nem enguias (pudera!)! Foi tudo corrido direito ao Porto, onde houve que improvisar um almoço numas caves de vinho do Porto ( à custa do grande Tó Mané Santos Costa, o melhor Coordenador Comercial que os CTT tiveram para estas coisas do desenrascanço comestível). Eles do almoço nem quiseram bem saber...
Foi só a partir da primeira garrafita de Porto que aqueles olhos nórdicos voltaram outra vez a brilhar... E daí até ao fim foi sempre a debitar combustível. De tal maneira que lá para as 4 e meia da tarde e já com uma garrafita de vintage no lombo, pelo menos, a Dini Thomas (holandesa) me dizia:
"Raul , we forgive you!"
O pior foi o regresso a Lisboa, com várias idas ao "Gregório" pelo meio... não há bela sem senão.
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