quinta-feira, março 01, 2012

Sonhos

Ontem à noite sonhei com o David.

Foi um sonho bom e terno. Estávamos nalgum local aprazível que não reconheci de imediato. Parecia uma sala ampla e clara que dava para uma larga esplanada onde se via o mar. Podia ser no Guincho pois recordo-me que estive com ele no Porto de Santa Maria, no Monte Mar e até na esplanada daquele hotel de luxo onde o Chefe Aimée chegou a trabalhar.

O local é o que menos interessa. Estávamos a beber champagne e a brincar com o Zé Quitério e com o João Paulo, que sempre que se encontram têm que "marrar" por causa dos vinhos e dos copos. O Pedro Rodrigues parece que fazia companhia e a Fátima estava lá por perto juntamente com o meu senhorio. Mais gente haveria, mas difusamente , perdendo-se na névoa.

Tenho agora de manhã a impressão que o meu subconsciente podia estar a tentar integrar no sonho aquele almoço que o David ofereceu em sua casa logo que lançámos o Livro "Sabores da Lusofonia".

Ou não... A comida não era a mesma. Lembro-me vivamente que  elogiámos as ostras com o Ruinart blanc de blancs, que marchámos para um Pargo monumental assado no forno com Tiara de 2008, e que todos terminámos com umas Galinholas estufadas, com  a sua manteiga em tostas, companhadas por dois tintos - Poeira de 2004 e Crasto Vinhas Velhas de 2005 (dois dos melhores Douros dos últimos anos!).

O David, rodando já o copo do Vintage Fonseca Guimaraens de 67,  lembrava-me que estava morto. E eu perguntava quem o substituiria na função.  David inclinava-se para mim na sua bonomia de Pai Natal, olhava para os outros e parece que dizia que estava ali quem o substituíria. Mas não lhe saía nome da garganta ou saíria e eu não o conseguia ouvir.

Faleceu a 29 de Abril de 2011. Não só era um comentador de gastronomia excepcional, um tremendo conhecedor, com uma humildade que o tornava ainda ávido de aprender , mas também um Homem bom que melhorava todos aqueles que com ele confraternizavam.

Foi o Zé Quitério que o introduziu aqui na minha roda e - se mais não houvesse ( e há!) - seria isto suficiente para lhe dever preito e homenagem, para sempre.

E eu tenho muitas saudades. Da voz dele, do tom pausado como começava as suas conversas comigo:
" Amigo Raul...".  Das opiniões escorreitas, da sua sabedoria calma e contida.

Mas também dos seus alvoroços, do deslumbramento que mostrava - como se fosse uma criança - quando lhe proporcionávamos alguma coisa que lhe fosse transcendente.

Um dia, no Beira Mar, olhando para o Robalo de Mar excepcional, rijo que nem uma tábua, pescado há apenas algumas horas e que era "irmão" do outro que estava à nossa frente no tabuleiro do forno, dizia para o pescador:

- "Mestre Tó Simão, é este um privilégio! Poder estar aqui consigo,  com o pescador desta maravilha,  a comer o seu peixe, algumas horas depois de o ter apanhado! Em que país do mundo  isto seria possível?"

E tinha razão. Aliás, cada vez mais tem razão e terá, muitos anos depois da sua passagem.

Deus queira que continue a sonhar com ele! ( e, aqui só para nós,  se for para comer e beber da mesma maneira que ontem à noite, Chapeau et Merci Dieu!)

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