sexta-feira, setembro 09, 2005

Gastronomia - Crítica de Restaurantes

EM LOUVOR DO OUTONO NA (CASA DA) PRAIA

Quem, como eu, sente grande atracção pela melancólica beleza de um areal deserto, batido pelo mar, onde é possível passear longamente, envolvido pelos cheiros complexos da maresia e das falésias, prefere o Outono na Praia.

Nessa época do ano cessa a luta por centímetro quadrado de areia para estender as toalhas, desaparece a ânsia do bronzeado, diminui o stress das intermináveis filas de automóveis que, nas estações balneares e a caminho das praias, prolongam insuportavelmente o calvário do cidadão urbano que se dirige para o trabalho.

Temos ainda , não por especial merecimento mas sim por dádiva divina, a sorte de possuir, em Portugal, uma região onde esta estação do ano reveste aspectos talvez únicos no hemisfério ocidental: uma extraordinária doçura climática e um contraste cromático entre o céu , o mar e a terra que merecia ter sido imortalizado por Van Gogh.

Falamos do Algarve, província ultimamente na mira das espingardas de alguns cronistas urbanos que reduzem a sua análise aos aspectos mais negativos do fenómeno turístico e, na maioria das vezes, a um único mês - Agosto.

Deixemos, contudo, partir os "agostinhos" rumo aos seus países e suas ocupações e, de acordo com a canção de Bécaud, façamos o percurso inverso animados pela grandeza de alma que caracteriza aqueles que têm a coragem de partir sim, mas em busca da diferença.

Chegámos à Quarteira, povoação de S. Sebastião com foral velho do Rei iniciado - D. Dinis - datado de 1297. Por opção estética e profiláctica recusamos olhar para a selva de cimento impudica e impunemente erguida frente ao mar. Para nós, aqueles edifícios não existem: fazem parte de uma miragem deixada, por vingança, aos portugueses pelos últimos abencerragens árabes que partiram à frente dos cavalos de D. Afonso III.

Fazendo a marginal em direcção ao poente depressa deparamos com Vilamoura, localidade que merece uma visita mais cuidada por causa da sua marina, pelo maior cuidado que foi posto no arranjo urbanístico mas, sobretudo, pela existência da "Casa da Praia", restaurante despretensioso localizado em frente ao mar, mesmo em cima da Praia de Vilamoura.

Este restaurante é abastecido diariamente pela riqueza piscícola do mercado da Quarteira, nele apenas se encontrando as mais frescas espécies de peixe local: pargos reais, salmonetes, robalotes, sargos etc...

Neste mar ainda é possível apanhar o famoso camarão da Quarteira, magnífico crustáceo da ordem decápode, de corpo comprimido e querenado que chega a atingir 15 centímetros de comprimento. Rei do marisco vivo da costa portuguesa, de sabor delicadíssimo, apenas suporta comparações gustativas com os melhores e mais frescos lagostins da costa atlântica.
A cozinha da "Casa da Praia", como não podia deixar de ser, aposta nas mais simples preparações daquelas matérias primas notáveis: a grelha de carvão e a cozedura a vapor. O resultado final tem de ser provado e dado a provar a todos aqueles que ainda negam ser Portugal o local do mundo onde a qualidade do peixe e do marisco é a melhor.

Uma refeição típica neste restaurante pode (e deve) começar pelas entradas de carapauzinhos de escabeche e saladas de polvo ou de búzios as quais cumprem a função de nos fazer passar o tempo até que chegue o camarão da Quarteira, simplesmente cozido e - em nossa opinião - abominando qualquer tipo de acompanhamento em disfarce de molhos (nem uma simples mayonnaise!).
Aprecie-se longamente, olhando o mar e filosofando sobre a má sorte dos veraneantes, condenados a viver em colmeia, longe destas mordomias.

Aparece agora o salmonete, grelhado no carvão "com tudo", isto é, sem ninguém ter tido a ousadia de o despir das tripas ou dos fígados. Coma-se com calma, apreciando o fígado barrado em uma tosta de pão de centeio e recusando liminarmente saladas ou batatas - quando muito uma mão pequena de arroz branco...
Que beber? Não compliquemos as coisas depois de tanto trabalho. Sai uma garrafa de Bical Galeria, obviamente branco e fresco, da casa Aliança. E ficamos muito bem.
Acabe-se a refeição com um "toucinho do céu" e uma aguardente velha de medronho. Só nos faltará para atingirmos o estado puro do hedonista, no dizer de Mestre Vinícius de Morais, "uma rede para nos estendermos e um gato para passarmos a mão..."

O preço médio desta refeição por pessoa foi de 40 €.

Viva o Algarve... no Outono!

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