quinta-feira, novembro 19, 2015

Já não há "minuins", bebam "submarinos".



"Sirva-se como se esteja em sua casa! À Tramoço e Minuins!"

As velhas tascas de bairro podem não ser geridas por mestres da língua de Camões, mas estou convencido que o dono do "Mal Cozinhado",  por andou o vate há quatro séculos e tal a afogar as mágoas, também não recitava sonetos...

Sou normalmente mais viajado por outro tipo de "resorts" onde se come e bebe, mas de vez em quando dou por mim ao balcão de uma tasca (ou de uma roulotte, que são as tascas do século XXI) a pedir uma bica para fazer horas para qualquer coisa que se passe ali por perto.

O linguarejar que hoje se ouve nesses locais é extraordinário.

O público que assim fala e que por lá se encontra à hora em que me penduro nesses balcões ( de manhã cedo) faz parte do que se convencionou chamar "lumpen proletariat"  - palavra cunhada por  Marx e Engels , do alemão "pessoa esfarrapada", para designar a faixa mais baixa do proletariado, oposta aos trabalhadores esclarecidos e politizados.

Diríamos hoje, "refrescando" a teoria, que se trata de "trabalhadores" sem emprego por oposição aos trabalhadores que ainda têm emprego. Muitos são imigrantes. E todos são marginalizados. Vieram para cá antes da crise, trabalharam nas obras, casaram e fizeram filhos. Agora andam aos caídos, sem dinheiro para regressar e sem dinheiro para cá ficarem.

São de muitas e desvairadas origens e trabalham, quando trabalham, no que calha. Hoje na estiva, amanhã na serventia a pedreiro, depois podem ser chamados para dar uma ajuda para fazer umas mudanças lá em casa, ou para partir o "focinho" a alguém que ficou a dever dinheiro a algum agiota, etc...

 Num desses locais (na Rocha do Conde de Óbidos) apercebi-me pelo contexto que várias frases eram criadas em calão por processos metonímicos. Por exemplo,  "morrer" podia ser também "Ir passar o natal à terra" ou "Acordar com a boca cheia de formigas". E que uma senhora "da vida" era uma "fedorenta". E ainda que "brilho" estava para a cocaína como "cavalo" para a heroína.

Estive lá pouco tempo, o suficiente para pagar 45 cêntimos pela bica e para pedir indicações ao proprietário sobre a amarração das docas que procurava.

 Bebia-se muito já àquela hora matinal, sobretudo uma coisa que descobri depois ser um "submarino", uma mistura de bagaço com cerveja.

Não vi letreiros a anunciar "Tramoço" nem "Minuins. Mas lá estava um bem visível : "Pagamento Adiantado".

Sinal dos tempos.

Saí com mais instrução do que aquela  que tinha quando entrei. E, com a bica a 45 cêntimos, achei barato o curso!

Nota: O principal processo que leva à criação de palavras do calão é a metonímiaMetonímia é o processo de associação semântica através da contiguidade de significados, ou seja, o falante de uma determinada língua faz uma aproximação entre o significado de um termo e o significado de um outro termo. (A. Silva Garcia)

Um comentário:

Américo Oliveira disse...

A propósito, recordo aqui Lord Byron que, de passagem por Portugal em 1809, escrevia assim ao seu amigo Hodgson:

"Quando os portugueses são pertinazes, eu digo 'Carracho!' - a grande praga dos fidalgos, que muito bem ocupa o lugar de 'Damme!' - e quando fico aborrecido com o meu vizinho declaro-o 'Ambra di merdo' [por 'Homem de merda'?]. Com estas duas frases, e uma terceira, 'Avra bouro' [por 'Arre burro'?], que significa 'Get an ass' ['Arranja um burro'?!, obviamente uma tradução incorrecta], sou universalmente reconhecido como pessoa de categoria e mestre em línguas."