segunda-feira, outubro 19, 2015

Sobre o "Cozido à Portuguesa"

Embalados pela fotografia (no facebook) do cozido que fiz em minha casa neste Domingo, alguns amigos pediram "a receita".

Em Portugal, de Norte a Sul passando pelos Açores há dezenas de receitas de Cozido.  O do Minho, o de Trás-os-Montes, o das Beiras, o dito "à Portuguesa" que se pratica no Porto e também em Lisboa, com variações, os do Sul, com borrego, grão e feijão verde, o de São Miguel , etc, etc...

Esta antiga forma de apresentar carnes frescas ou fumadas cozidas e vegetais abeberados nos sucos das carnes, não é exclusiva de Portugal. Existe em Espanha (Olla) , em Itália (Bolitto Misto) e em França (Pot au Feu), apenas para mencionar gastronomias sulistas.

A "minha" receita tem pouco de inovadora. Foi apurada tendo em vista que o "queima cebolas" designado é homem, e na altura em que começou a actividade junto aos fogões tinha ainda pouca prática da mecânica e das ferramentas próprias do ofício.

O meu segredo (como não tenho a arte do disfarce) é usar apenas os melhores produtos.

Chouriços certificados ponho sempre um de cada: Alentejo, Minho e Trás-os-Montes (de bísaro). As farinheiras são raianas, da Guarda (com uns laivos de canela)  e também de Estremoz. O paio é de Garvão. Os nacos de presunto fumado são do Minho. Entra sempre também um ou dois chouriços mouros do Fundão. E como as "santas" se habituaram  a isso desde a sua juventude,  enfio também umas chouriças frescas de sangue e vinagre (que eu bem dispensaria porque não lhes vejo valor gastronómico, a não ser para espevitar o arroz do cozido).

A carne de vaca para cozer é sempre do chambão e da aba grossa. E do porco apenas uso entremeada, pedindo no talho  para cortar o courato,  e orelha. Não uso pés de porco nem outras extremidades que nos obriguem a sujar as mãos à mesa...

As carnes frescas são todas previamente lavadas com vinho branco e bem esfregadas com sal.

Por comodidade costumo cozer as carnes de véspera, sem utilizar panelas de pressão.  Por sorte tenho em casa uma  "panelona"  de larga base em ferro, que herdei de umas tias do Fundão , e onde todas as carnes podem à vontade conviver com água abundante. O segredo de uma boa cocção das carnes é nunca utilizar tachos ou panelas onde as mesmas fiquem apertadas e com pouca água. Muita água é necessária para cozer os vegetais, como veremos.

No dia seguinte parto as carnes e arrumo-as em travessas que podem ir ao forno, com uma ou duas conchas de água da cozedura por cima, para que não sequem. O forno fica a 90º, apenas para marcar um pouco as carnes e não as deixar arrefecer enquanto que as couves e as batatas cozem.

O resto da água de cozer as carnes é dividido em três partes: Para as couves (na mesma panelona) ; para as batatas , nabos e cenouras (noutra panela) e para o arroz (num tacho mais pequeno).

No tacho do arroz desfaço um chouriço de vinagre e sangue previamente cozido, deito azeite no fundo, sal, e deixo fritar o arroz um minuto antes de deitar a água  (2 vezes e meia a mais do que o arroz).

As Farinheiras ficam por cima das couves , espetadas em palitos, e retiram-se assim que ficarem "inchadas".

À medida que estiverem os ingredientes  cozidos vamos apagando o lume e "abafando" os tachos e panelas com panos, até estar na altura de pôr em travessas e levar para a mesa.

O vinho é muito importante no cozido. Um Bairrada taninoso e pungente dá-lhe boa companhia, ou então um Dão ou Douro novos.

Aqui só para nós, o problema do cozido não é o trabalho que dá a fazer, mas sim o trabalho que dá a lavar tudo a seguir...Panelas, tachos e tachinhos... Que não cabem na máquina.

Bom proveito.

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