quinta-feira, outubro 22, 2015

Dar coisas nossas a coisos estrangeiros





Nunca mais me esqueço da altura em que - desejando ser amável e bom anfitrião - levei o nosso agente na Alemanha e Áustria,  Sr. Jürgen Schneider, comer uns percebes a Cascais.

O homem, que aliás era um óptimo gourmet muito virado para a "nouvelle cuisine", olhava para aquilo desconfiadíssimo,  via-me puxar os bicharocos para fora da manga, observava como espirravam para todos os lados e, em consequência de tudo o que via, não o consegui convencer a comer nem um.

Mais ficou ...

Pior do que essa ocasião só a outra em que o mesmo tipo de criaturas estrangeiras (nossos agentes) se viu a braços com a tarefa de comer umas cracas na Ilha de S. Miguel... Quando viram as pedras nos pratos pensavam que era paródia, riram muito, bateram palmas e tiraram fotografias. O pior foi quando  nos viram a usar o alfinete para tirar o animal de dentro da toca...

Igualmente esquisito para muitos "gringos" , é a forma como em Portugal se come praticamente por todo o lado "Cabrito assado no forno", já para não falar do "Leitão". Os animais ainda novos (quase bebés) são em muitas nações considerados alimentos, não direi proibidos, mas cuja utilização culinária não é bem vista pelas pessoas que se consideram civilizadas.

Imaginem os "borrachos com ervilhas"... "Túbaros de carneiro"?  A simples e amável "morcela de sangue"? O "Sarrabulho" minhoto? Mesmo a "Dobrada" ou os "Pezinhos de porco de coentrada? Caracóis?

Estas iguarias não são para nórdicos. Espanhóis, franceses (nem todos) e italianos ainda se tentam.

Tentei descrever à mesma tribo o que era a "caneja da infundice". Nem me deixaram acabar, com olhares de perfeito enjoo, pensando de si para si se "aquela gente" não seria doida...

Nota: o verdadeiro "jagoz" da Ericeira aprecia a caneja (cação) com mais dias "de infundice". Os neófitos devem abster-se sem primeiro saber do que se trata. Eu já comi e gostei. Mas temos de passar pela barreira do cheiro. O travo a amoníaco é forte (tanto mais forte quantos os dias de "infundice") e detém muitos bravos... 
Como sabem, a "infundice" é a conservação do peixe em postas previamente salgadas e embaladas em panos brancos, isoladas umas das outras , tudo depois enfiado dentro de uma saca de serapilheira em local fresco, durante um período que pode durar entre 5 e 15 dias. O cação "mumifica" e é a partir daí que se coze, acompanhando com vinho tinto, batatas cozidas com a pele e azeite.

Pela minha parte comi de tudo um pouco, remetendo para os meus colegas de Macau grande parte da responsabilidade pelas coisas mais estranhas que me passaram pelo estreito. Mas foi em Seul, ao provar a "kimchi",  couve fermentada em barrica durante dias (e dias...) que é prato nacional coreano, que me senti mais perto da "caneja da infundice".

Acho até que se poderia utilizar um dos pratos a acompanhar o outro, numa refeição que -  prevejo já - podia ser épica!!

Pelo menos não se estranharia o cheiro... No fim de contas, mijo é mijo, aqui em Portugal ou lá na República da Coreia.

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