segunda-feira, agosto 17, 2015

Os Burros





O "burro" de quatro patas está mal representado em Portugal. Segundo os especialistas da matéria apenas uma raça de burro (de quatro patas) existe em Portugal.
Atualmente, estão oficialmente reconhecidas em Portugal como "autóctones" 15 raças de bovinos, 15 de ovinos, 6 de caprinos, 3 de suínos, 3 de equinos, 4 de galináceos, 1 asinina e 10 de cães. 
O único burro português é o Burro de Miranda , conhecido por "burro lanudo".  Para mais detalhes sobre os projectos de recuperação desta antiga raça de burros ( em perigo de extinção) podem ver aqui:
http://www.wonderfulland.com/wonder2006/lazer/burroslanudos/index.htm

De acordo com o grande especialista Ruy d’Andrade, investigador ligado ao estudo das raças autóctones de equídeos, havia cerca de 275 mil burros em solo luso no início do século XX; no final  da década de 90  estavam apenas 40 mil animais recenseados; actualmente estima-se que sejam menos de dez mil.

O "burro" não tem o charme nem a aptidão física do cavalo para o desporto e para o lazer. Por outro lado também acabaram os seus anos de "tractor agrícola" e fonte de fertilizante natural. 
A dimensão contida nunca o poderia transformar em fonte de interesse promocional das grandes cervejeiras, como o "primo gigante" Clydesdale, que hoje ganha a vida a fazer anúncios da Budweiser.
Resta-lhe sobreviver em "quintas biológicas", como abencerragem de um passado em que já foi um dos melhores amigos do pequeno lavrador.

No Estoril velho ainda me lembro da minha avó comprar leite a  uma leiteira que vinha ter connosco de burro, trazendo de um lado e do outro do animal as bilhas do leite, um pouco como ainda hoje vemos nos Açores. E talvez não saibam que o local onde o tio Belmiro construiu o CascaisShopping era há 50 anos pastagem de vacas e de cabras, de onde leite e queijos vinham para  as povoações.

Mas hoje o tema era sobretudo entender como do "burro" animal se passou ao "burro" epíteto desprestigiante. Como do simpático (embora teimoso) quadrúpede se passou ao vulgar insulto dirigido à malta de duas patas.

Na história dos insultos na humanidade distingue-se em primeiro lugar  os que comparam homens e mulheres a animais. Desde logo: Asno ou Burro, Boi, Vaca, Cabra, Cabrão, Cadela, e, com mais generalidade, Besta. 
Aparecem  no século X português e espanhol e supõe-se que sejam estes os  mais antigos insultos em qualquer língua. Mais antigos portanto do que aqueles onde se põe em causa a progenitora ou as inclinações sexuais do visado(a).

"Asno del latín asinus, primera documentación 1076, 'mamífero solípedo del género Equus'. Este animal, lento, soso ha sido utilizado como animal de carga, su poca agilidad ha servido como punto de comparación para el hombre de escasa inteligencia."

Obviamente que na altura não se estudava cientificamente a psicologia animal, e por isso supõe-se que a comparação era empírica: se o "burro" era lento no caminhar e no desenvolvimento do trabalho que lhe era pedido (porventura comparando-o com o cavalo) então o "homem-burro" era lento de entendimento e de inteligência limitada. 

Mas isso não explica como parece ser este insulto predominantemente "ibérico" e compartilhado pelos povos do Norte de África, local onde estes animais também  não são muito bem cotados...

De notar que para gregos e romanos (para não falar do Médio Oriente, até com referências na Bíblia!) o "burro" era  tido como animal muito competente e  amável, sinónimo de mansidão, amor ao seu dono e  até  um símbolo de virilidade garantida pela dimensão do "instrumento" (lembram-se de Apuleius,  "O Asno de Ouro"?). 

A explicação que encontro para a utilização do insulto aqui no burgo tem a ver com o facto das tribos do Norte de África e da Península Ibérica terem sido os maiores criadores de cavalos do mundo antigo.  Comparado com o nobre cavalo o paciente e manso burro fica a perder na imaginação humana. Sobretudo para quem vê uns e outros, todos os dias.
Daqui a origem do insulto: burro seria um ser humano inferior, quando comparado com a matriz que era o cavalo de raça berbere, barbo ou ibérico, "filho do vento"; enquanto que o primo pobre burro seria mais o "filho do bafejo",

Burro ainda por cima tem fama de ser anónimo... Todos sabem o nome do cavalo de D. Quixote. Alguém se lembra do nome do burro de Sancho? Eu também não.

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