quinta-feira, junho 14, 2007

Chuva de Verão, comida de Inverno?

Quem se recorda de ir "brincar ao Santo António" à chuva? Ou de estar disponível para aviar uma sardinhada também à chuva?

Ele há comezainas que exigem tempo adequado, não tenham dúvidas. Desde o Cozido à Portuguesa de Inverno, ou a Lebre e Perdiz no Outono, até aos grelhados de Verão. Por isso acontecia antigamente darmos descanso ao palato e ao estômago, preparando o corpo na estação estival para o "pesadelo" dos pratos invernais (e infernais).

Quando o mundo era um local mais simples, onde grande parte da população activa de Portugal ainda "garimpava" as suas leiras - ora para vender nas feiras o produto da terra ou mais habitualmente para subsistência e complemento dos fracos rendimentos mensais - estas coisas das Estações do Ano tinham preceito.

Havia o velho "Borda d'Água" que era o almanaque do campo. Hoje é o único que ainda resiste e é vendido por romenos nos semáforos de Lisboa (e esta?!) . Havia o TV Rural - que saudades do Engº Sousa Veloso - e combinava-se na rádio o "Piquenicão" . O maior patrocinador dos programas da manhã, da Radio Rural (atenção, manhã do campo - 5.30H-06.00H !!) era o "Fosfatos Amónio" ou a CUF (por causa dos adubos).

Nesses programas - que ainda presenciei porque sempre gostei de me levantar muito cedo para estudar - falava-se de coisas que hoje parecem absurdas para o indígena da Baixa da Banheira ou do Cacém que se dirige todos os dias para o trabalho em Lisboa: as doenças da fruta (cuidado que não me estou aqui a referir a e****** ou a mais alguma DST. Livra que V. são perigosos!) , o míldio e o oídio na Vinha, o "avanço ou o recuo" do ano agrícola , etc, etc...

Com a actual confusão sazonal, sem sabermos se há que enfiar as galochas ou o fato de banho, não sei como aquela gente antiga reagiria. Tenho alturas em que penso que mudariam de actividade, por já não conseguirem ter "rins" para acompanhar tanta esquiva da meteorologia.

Vem isto a propósito de não ser hoje incomum existirem restaurantes que todo o ano apresentam Cozido à Portuguesa nas cartas. Ou Cabrito (enfim, menos preocupante dada a conhecida importação dos antípodas e a utilização das arcas) ou até Lacão (pernil de porco fumado e cozido) com grelos...
Para já não falar da "perdiz " em Julho (obviamente de aviário. Tanto podiam marcar na carta perdiz como frango, era igual).

Manda o Cliente. manda o MKT!

Se ao Cliente lhe apetece o cozidinho, mesmo que feito com lombardo em vez das couves portuguesas, porque é que não se lhe há-de dar?!? Ora couve lombarda é para quem gosta de salsichas frescas guizadas...

Estimo que dentro em pouco e logo que a lei o permita vão-nos propor Lampreia em Agosto e Sável em Maio... Tudo graças à moderna tecnologia de aquicultura e refrigeração. Se até já existem - e começa a ser obrigatório por lei - mangas de alta congelação nos restaurantes, que no espaço de minutos congelam profundamente qualquer alimento...

Há anos era uma festa ( ilegal, já se sabe, mas com o sabor picante de tudo o que era pecado...) quando algum amigo nosso - normalmente trabalhando em coutos - nos presenteava com duas perdizes fora de época, ou até com uma braçada de coelhos bravos. Hoje não há nada mais simples, é só dirigir-se ao supermercado mais próximo: desde o faisão ao veado, tem lá tudo.

Onde fica a gastronomia com isto tudo?

Sem querer parecer "Velho do Restelo" sempre lhes digo que não só da técnica culinária e da arte do "queima-cebolas" à frente dos fornos vive a boa cozinha, mas também - e sobretudo - da qualidade da matéria prima!

E quem se esquecer disso- sendo cozinheiro- que vá trabalhar para uma Pensão de fraca qualidade, pois não merece mais.




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