segunda-feira, maio 04, 2015

Provar, degustar ou comer? Depende da fome...


"Degustar" é um francesismo ( mais um) que nos chega da Roma antiga via Paris. Significa "avaliação atenta através do paladar" ou ainda  «experiência aprazível de caráter sensorial».

Nesse sentido é semelhante a "provar". Difere do "Comer" porque se ao provares não te agradar a mistela, já não terás de engolir. Comer implica continuidade, provar implica que primeiro há uma escolha.

"Pitance" - já que estamos numa de gaulicismos -  era o termo francês medieval para uma  dose de comida, normalmente fornecida aos trabalhadores do campo.  Se fosse apaladada era "bonne pitance", se nem por isso, poderia ser "maigre pitance". Mas aqueles eram os tempos em que - boa ou má, saborosa ou não -  todos engoliam.

Porque não se sabia o que traria o dia de amanhã...

A carência era tanta que "Bonne"  tanto significava "abundante"  como "saborosa"; enquanto que "Maigre" tanto era entendida como sendo "dose pequena" ou "comida mal feita".

O "pitancier" era o monge que distribuía a ração aos confrades lá no mosteiro ou convento. Não confundir com o cozinheiro!

Comprende-se assim que o "gosto pela comida",  a "valorização do degustar", é uma actividade que hoje se democratizou mas que nasceu junto das classes mais endinheiradas.

Quando Jean-Anthélme Brillat-Savarin escreveu   "La Phisiologie du Goût" (1825) - considerada a obra inventora da ciência e da arte da "gastronomia" - dirigia-se às classes altas. No seu famoso segundo aforismo:

"Les animaux se repaissent ; l'homme mange ; l'homme d'esprit seul sait manger."

Deveria ter posto um asterisco na palavra "homme d'esprit". Explicando que se tratava do homem com cabedais e dinheiro para trocos. Os outros homens tinham corpo mas  não teriam "esprit". Serviam para trabalhar e comer a referida "pitance".

Provar, degustar? Era para o proprietário. O trabalhador comia. Quando tinha sorte. E sem fantasias.

Ou não? 

Ouviram já falar de catacuzes, carrasquinhos, espargos verdes e azedas ?  Plantas dos campos que hoje são luxos, mas ontem eram comeres dos pobres? E com as quais se faziam verdadeiras obras primas da culinária regional?

Ou da forma como o camponês alentejano, com azeite e  água, coentros e alho , sal e pão duro faz um prato admirável que é a "Açorda"?

Haja imaginação. Mas dentro da razão. Porque, ontem como hoje: "Come o que tens e não o que sonhas".

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