sexta-feira, dezembro 18, 2015

Desvendando segredos

Pensei bem se deveria fazer aqui esta revelação hoje.  Porque há coisas tão boas que se podem estragar com a divulgação...Mas estamos no Natal...

Trata-se de um pequeno restaurante que seria na  "província" nos tempos do Eça de Queiroz, mas que hoje está a dois passos do centro de Lisboa (para quem saiba lá ir ter).

Casal de S. Brás.   Rua Sebastião da Gama , nº1. E o local chama-se (imaginem) Restaurante Fialho!! TELEFONE - 214 942 899

A Matriz da carta e das propostas fora desta  é  do baixo Alentejo ( os proprietários são da Vidigueira), mas a arte da cozinheira e das matérias primas está a um nível bem alto.

A primeira vez que lá fui  estava tão bem acompanhado por dois mestres na arte de comer e de escrever sobre o assunto (Quitério e Fortunato) que me acobardei de dar testemunho desse almoço que foi notável. Pela companhia, sem dúvida, mas também pelo que se comeu.

Mas depois disso já lá voltei, motivo pelo qual estou mais à vontade para fazer a humilde reportagem.

Casa pequena, muito simples e plena de parafernália "verde". Dono, mas sobretudo o filho, são sportinguistas de gema. O que me levou a pensar se um estorilista com o coração na Luz seria ali bem recebido. Foi. E muito .

Convém reservar, não só porque a casinha é pequena, mas também porque muitos dos pratos mais apetecíveis são encomendados previamente.  Mas mesmo que venham ao sabor da maré e do vento (que foi o que me aconteceu na última vez) não sairão dali defraudados.

Não esperem mordomias de casa a atirar para o finório. Não esperem panejamentos de damasco e copos de cristal. Esperem apenas simplicidade, saber receber como se fossem da família, boa comida caseira e muito boa qualidade das matérias ali trabalhadas.

Não é casa para ver e ser visto. É uma casa para ir comer. E sair com um brilhozinho nos olhos.

 A lista fixa  é mais ou menos a que segue - Entradas: torresmos; farinheira frita; paio de Sousel; cogumelos.  Pratos Principais:  Bacalhau à Brás, Pernil assado; carne alguidar; lombo assado com poejos. Por encomenda; arroz de coelho bravo, javali, canja de pombo bravo, Perdiz em várias apresentações.  Sobremesas: pudim de mel de Portalegre; bolo de requeijão; sericaia. 

Mas o patrão tem sempre alguma coisa atrás do balcão que vale a pena experimentar. No dia em que lá fomos era um aromático Caldo de Peixe (poejos e hortelã da ribeira)  que podia ser servido com achigã ou com robalo. E o prato dia era o clássico Ensopado de Borrego. 

Comemos o Caldo  com o Achigã (superlativo) e o Ensopado (muito bom na  sua singeleza natural) . Rematámos com a Carne do Alguidar (magnífica) aqui com migas de pão. E ainda houve espaço para dois cafés e uma "branquinha" particular (porque era Sábado).

Os vinhos  propostos são geralmente pouco conhecidos e na sua maior parte transtaganos. Nesse dia bebeu-se uma garrafa de branco da Vidigueira e uma de tinto (também alentejano) Migas. Ambas de 2013. Muito interessantes e a preços afabilíssimos.

A Revista de Vinhos escreveu sobre o "Migas": Feito com Trincadeira, Aragonês e Alicante Bouschet. Muito bem no aroma, simples, directo mas com fruta evidente e um estilo muito acessível. Na boca mostra-se macio, de médio corpo e muito capaz de boa prestação à mesa. Beba-se novo.

Com isto tudo , 2 pessoas, 2 garrafas de vinho, três pratos principais mais as entradas plenas da casa, onde avulta um "toucinho de porco alentejano" daqueles que metem medo a qualquer cardiologista, pagou-se 72 euros...

Conclusão: É uma casa onde maníacos de dietas, metrosexuais e ávidos de publicidade manhosa se devem abster de entrar. Ali só vai quem gosta de comer. E apesar dos "leões" que avultam pelas paredes ( até nos copos! ) tenho que dizer que um benfiquista ou portista parciais à boa gastronomia não deixarão de entrar neste estádio e aplaudir estes "treinadores". 
Este "Fialho" do Casal de S. Brás faz honra ao nome fidalgo. E , embora possa parecer heresia para muitos, tenho até que dizer que algumas das suas propostas ultrapassaram -  no meu entender - as da outra "Catedral de Évora". O que não é dizer pouco...


2 comentários:

Américo Oliveira disse...

Sobre a gastronomia nacional escrevia Fialho de Almeida, com acinte premonitório n’Os Gatos, corria o ano de 1891:

«A desnacionalização da cozinha é para mim, talvez primeiro que a dos sentimentos e das ideias, revelada pela vida pública, o primeiro avanço indicativo da derrocada dos povos. [...] De sorte que chegámos a isto: em Portugal não há hoje onde comer – em português. Concordarão que o assunto vale bem uma cruzada patriótica, destinando-se a reintegrar o País no usufruto das suas primitivas ucharias. Um povo que defende os seus pratos nacionais defende o território. A invasão armada começa pela cozinha».

Pelo que o Dr Raul Moreira nos vem contando, há razões de sobra para nos mantermos confiantes no valor das nossas tropas...

Raul Moreira disse...

Muito bem meu Amigo!!