quarta-feira, fevereiro 15, 2012

O Mostrengo

Todos nos recordamos ainda da "Mensagem" , e do célebre poema "Mostrengo"? Colocado exactamente ao meio do Livro? 21 poemas antes deste e 21 poemas a seguir a ele?

Aqui vai para ajudar a memória:

O mostrengo que está no fim do mar
Na noite de breu ergueu-se a voar;
A roda da nau voou três vezes
Voou três vezes a chiar,

E disse: «Quem é que ousou entrar
Nas minhas cavernas que não desvendo,
Meus tetos negros do fim do mundo?»
E o homem do leme disse, tremendo
«El-Rei D. João Segundo!»

«De quem são as velas onde me roço?
De quem as quilhas que vejo e ouço?»
Disse o mostrengo, e rodou três vezes,
Três vezes rodou imundo e grosso.

«Quem vem poder o que só eu posso,
Que moro onde nunca ninguém me visse
E escorro os medos do mar sem fundo?»
E o homem do leme tremeu, e disse:
«El-Rei D. João Segundo!»

Três vezes do leme as mãos ergueu,
Três vezes ao leme as reprendeu,
E disse no fim de tremer três vezes:

«Aqui ao leme sou mais do que eu:
Sou um povo que quer o mar que é teu;
E mais que o mostrengo, que minha alma teme
E roda nas trevas do fim do mundo,
Manda a vontade, que me ata ao leme,
De El-Rei D. João Segundo!»


Fernando Pessoa (Mensagem)

No dia em que a inefável Troika nos "visita" de novo, sou só eu que noto alguma similitude entre este "Mostrengo" pessoano e o que nos está a acontecer?

Com relevo para a repetição do "3"?

Fernando Pessoa era, como sabem, um iniciado no sentido vernáculo do termo, entendido nas (digamos) "ciências" ou pseudo-ciências, paralelas, como a Astrologia e a Adivinhação... Será que teve aqui um prenúncio do que nos poderia vir a acontecer?

Os nossos problemas terão começado em 1990 , há 21 anos , e pelos vistos  teremos de esperar mais 21 anos até que passem? (Pôrra! com vossa licença...).

"Mostrengo" Monstrego mesmo foi o alemão crítico do Finantial Times,Wolfgang Münchau, que ontem escreveu o seguinte:

"A aprovação do Parlamento grego ao novo pacote de austeridade, que permitirá ao país receber um novo resgate e assim evitar um default (incumprimento) não irá salvar o país. Alguns dizem que seria melhor forçar imediatamente a Grécia a sair da zona euro e usar os fundos para salvar Portugal. Eu discordo!

Para o jornalista alemão, os líderes europeus deveriam reconhecer o “estado desolado” em que se encontram os dois países e deixar ambos entrar em default dentro da união monetária. Seria depois necessário usar o fundo de resgate do euro – suficientemente reforçado – para ajudar esses dois países e, ao mesmo tempo, criar uma barreira de protecção para os restantes, de modo a impedir o risco de contágio.

“Tudo isto será muito caro. Mas ignorar a realidade durante os próximos dois anos será ruinoso”, avisa."

Nestes apertos em que estamos uma pergunta se coloca: Onde está o D. João II do século XXI?

Não está, pois não?  Estamos bem lixados....

Nota 1: Para se cultivarem com a faceta iniciática de Fernando Pessoa e com aquilo que a Mensagem pode representar no universo das leituras menos ortodoxas  que ultrapassam a mera apreciação estética dos poemas, leiam aqui sff:

http://www.umfernandopessoa.com/livros/as-mensagens-da-mensagem-2010.pdf

Nota 2: Mostrengo ou Monstrengo?

O Ciberdúvidas esclarece:O Dicionário Eletrônico Houaiss regista as duas palavras: mostrengo («monstro sob a f[orma] rad[ical] mostr- (com desnasalização) + -engo; c[om]p[are] monstrengo») e monstrengo («monstro + -engo»). Diz, no entanto, que mostrengo é a palavra preferível. Considera mostrengo, por um lado, como «indivíduo sem destino e sem ocupação, que ger[almente] anda a esmo, perambula; indivíduo errante, vagabundo» e, por outro, «ser inumano monstruoso; monstro» ou «indivíduo disforme ou simplesmente muito feio; monstro»; trata-se ainda de «indivíduo desajeitado, sem jeito, cujo corpo parece não obedecer a qualquer comando; estafermo, estorvo»; «qualquer coisa que seja disforme, descomunal, qualquer coisa cuja natureza seja contrária à normalidade; monstro»; e de «coisa sem serventia, sem préstimo, inútil».

O Dicionário da Língua Portuguesa 2008, da Porto Editora, acolhe só mostrengo, enquanto monstrengo nem merece registo.
Assim, a forma usual (e preferível) é mostrengo, embora monstrengo também seja vocábulo correcto.

Um comentário:

elio disse...

Será que o mostrengo só não queria que lhe mamassem nos "tetos negros"?
A nova "ortografia" tem destas coisas...
Abraço