terça-feira, agosto 16, 2011

O Passado e o Presente

As histórias que os velhos contam infelizmente voltam à liça…

Numa povoação pequena como aquela em que nos encontramos, a 4 km de Seia, a vida quotidiana há 40 anos atrás, antes do 25 de Abril, fazia-se sempre, ou quase sempre pelos mesmos caminhos: trabalho seis dias por semana, geralmente na “fábrica” ( alguma das fiações que antigamente pululavam pelas duas encostas da Serra, hoje todas falidas), ao Domingo a missa e à tarde a conversa nas tavernas com os amigos à mesa da bisca, ouvindo o relato do futebol na Rádio. Dos campos tratava-se todos os dias, depois da saída das fiações. As mulheres já por lá andavam e os homens iam ter com elas depois das 17h.

Regava-se de noite e à vez. A água era pouca e por isso mesmo um bem precioso. Muita cegada ( daquelas que acabavam com cabeças rachadas) ouvi contar sobre tempos de rega não respeitados, ou “desvios de água”.

Só os homens trabalhavam fora de casa. E não eram todos! Muitos tinham emigrado, outros por vários motivos (até políticos) não conseguiam arranjar emprego. As mulheres reforçavam o magro orçamento familiar a “enfiar cortes”, um trabalho mal pago que era feito à noite, dava cabo da vista e que consistia em comporem com a agulha e fio de lã, à luz do petróleo, as falhas que os teares mecânicos tinham deixado nas fazendas.

Estudavam os rapazes até à 4ª classe, por norma, e as raparigas nem isso. Eram logo postas a ajudar as mães. A minha mulher, apesar de neta de lavradores e comerciantes de gado (e por esse motivo andar no colégio, a concluir o antigo LIceu), com16 anos já fazia sozinha as refeições para todo o pessoal que andava nos campos, mais de 20 homens e mulheres pagos à hora para as tarefas mais pesadas da quinta – as vindimas, ceifar o milho, arrancar as batatas, apanhar a azeitona.

As casas dos Pastores eram fartas , mas de muito trabalho. O dia começava às 3 e meia ou 4 da manhã, para as ordenhas, e depois desfiava-se por aí fora, com homens e mulheres sempre a trabalhar, nos campos,com as centenas de ovelhas e a cuidar dos cães. Mas também nas queijarias, a tratar do leite ou a escaldar os panos brancos que envolviam os queijos e que eram mudados todos os dias nas alturas de “sôrar”.

Filha de Pastor já sabia que nunca lhe faltava a comida no prato, nem o trabalho, 9 ou 10 horas por dia , pois era ela que tinha de substituir a mãe nas tarefas caseiras. Já com 9 ou 10 anos eram treinadas para cuidar da casa e da cozinha.

Doenças eram um martírio. Médicos e medicamentos eram pagos particularmente e havia maleitas que arruinavam muitas famílias. A tuberculose era comum. Às doenças que não conheciam ( por exemplo as oncológicas) chamavam “bicho” e não gostavam de falar nisso com medo de as “chamar”. Quem partia um braço normalmente ia ao endireita, que era mais barato que o hospital.

Mezinhas, chás de ervas e papas de linhaça faziam tanto parte do repositório farmacológico como as aspirinas e antibióticos de hoje.

Vivia-se bem? As pessoas não conheciam outra vida… Desde que nasciam até que morriam.

Por muitas comparações que se façam com esse passado recente, o problema de hoje em dia pode ser mesmo esse.

É que os actuais portugueses já conheceram outra vida…E não vão gostar mesmo nada do que por aí se aproxima.

De Cavalo para Burro é sempre mais difícil passar. E há que esperar alguns pares de coices.

2 comentários:

Maria Paz disse...

Havia muito trabalho, até se podia escolher. Presentemente o que mais me preocupa é a falta de actividade de grande parte da população. Não há oferta nem ofícios.

Felisberto Lopes disse...

"Por muitas comparações que se façam com esse passado recente, o problema de hoje em dia pode ser mesmo esse.

É que os actuais portugueses já conheceram outra vida…E não vão gostar mesmo nada do que por aí se aproxima.

De Cavalo para Burro é sempre mais difícil passar. E há que esperar alguns pares de coices."

Não me parece que se possam equacionar comparações entre o hoje e o antes 25 de abril. É verdade que eu já ouvi pessoa de 60 anos a dizer que antigmente é que era bom e que se vivia melhor. Mas isso não passa do maior disparate alguma vez pronunciado, para não dizer outra coisa. Eu tenho quase 50 anos, sou de uma pequena aldeia do nordeste transmontano, "Bouça" concelho Mirandela.Quando eu era miudo o meu pai para ir comigo ao médico a mirandela; ou ia de taxi para poder regressar logo que se despacha-se e sujeitava-se a gastar o pouco que possuia, provindo de uma misera agricultura de subsistência. Ou então na pior das hipotses ia de camioneta, saía de manhã cedo e regressava só á noite. o que poupava em taxi teria que gasta-lo por lá em refeições.
Hoje mesmo aqueles por lá vivem, todos têm carro. Mas não só, a camioneta passa pela aldeia pelo menos mais uma vez por volta do meio dia. E mesmo por cá pela grande cidade, não é preciso recuar muitos anos atrás; talvez nem 20 e olhar as ruas da cidade e suas congeneres vizinhas; actualmente cheias de Carros não há lugares para mais automoveis, até já os passeios são ocupados.
Há 20 anos atrás estavam semi vazias.
Daí concluo não exite comparação possivel. Os tempos são dificeis, sim, são, mas nós já passamos por situações analogas e vencemos continuaremos a vencer. temos é que ser exigentes conosco para fazer crescer o País e com quem nos governa, pois somos nós que lhe pagamos os salários.
não me parece que exista a possibilidade de tão grande retrocesso.
Mas há um item em que estamos muito piores do que no antes 25 de Abril; na falta de valores fundamentais inclusive ao progreeso, talves isso torne ainda mais dificil o ultrapassar da crise.
Mas estou convencido que a ultrapassamos.