quarta-feira, agosto 17, 2011

Alegrias na “desgraça”

Mesmo nos dias amargos da falta de liberdade e dos apertos de cinto, o vinho compunha muitas tristezas. Por estes dias de Verão nada agradava tanto ao meu sogro do que receber e visitar os amigos, nas respectivas adegas, a provarem o “vinho novo”.

Convém explicar que na Beira Alta , por causa das temperaturas mais baixas, o vinho da vindima de um ano só começava a “dar prova” na Páscoa do ano seguinte, mas era costume engarrafar-se por volta de Maio ou Junho. Por esse motivo estamos agora a beber o vinho da vindima de 2010.

A velha fábula de “ser no S. Martinho que se provava o vinho” teria mais a ver com o Ribatejo e o Alentejo, e mesmo assim era preciso o ano ter sido muito “avançado”.

Pois o meu sogro - e estamos situados lá para o inicio dos anos 70 - adorava receber os amigos e os taberneiros (que na altura eram seus clientes) na adega, sendo certo e sabido que logo de seguida era convidado para exéquias semelhantes na casa dos outros.

Os 3 compadres da vida airada (já aqui muito falados no Blogue) não deixavam os créditos por mãos alheias. Considerados os maiores bebedores da aldeia (havia quem lhes chamasse outra coisa parecida...), nesta altura do ano estavam nas suas “sete quintas”…

Zé “Peido Manso”(o Pedreiro) , Ti Correia Môco (o Pastor, bastante surdo) e Manuel da Angélica (o Taxista), não perdiam pitada destas provas, apresentando-se sempre sorridentes em casa dos adegueiros. Mesmo que não fossem convidados (QUE ERA O MAIS CERTO) tinham um “faro” especial para detectar estas festanças.

O Pastor era sempre bem-vindo, trazia com ele um queijo velho , considerado o melhor acompanhante para o vinho novo, um pouco na esteira daquele velho ditado das montarias “cavaleiro novo, cavalo velho”. O compadre Taxista também era recebido com sorrisos. A “malta” nunca sabia se seriam necessários os seus serviços, numa emergência, e ele estava disponível a qualquer hora do dia e da noite, tal e qual como se fosse bombeiro. E para além disso, como a mulher criava porcos, era normal aparecer com uma ou duas chouriças na algibeira.

Agora o Zé Pedreiro – por acaso o mais borrachão dos três – não era muito bem-vindo onde quer que se arrimasse. Toleravam-no, porque vinha com os outros, mas a fama de “vaza cântaros”, aliada ao facto da sua arte de pedreiro ser sempre vendida a bom preço (era careiro e abusava porque na terra não havia outro) não ajudavam muito. Tinha jeito e maneira de sovina, o que na terra era muito mal visto.

Desta forma os outros dois Compadres começaram a ver a sua presença ligeiramente enlameada por culpa do Zé, e logo se reuniram para tratar do assunto.

-“Oh Amigo Zé, Vomecê tem de levar alguma coisa quando for connosco para as adegas. Parece mal aparecer assim de mãos vazias.”

-“Isso mesmo! Bem dito Compadre Correia! O Zé devia aparecer com qualquer coisa. Um dia destes já tenho vergonha de me estar sempre a pendurar”.

-“Mas trazer o quê? Hei-de levar um garrafão de vinho? Atão vou levar uma botija com água para a nascente? Homessa!”

-“Não digo isso Compadre, mas qualquer coisa que se coma. O Ti Correia leva sempre um queijo, eu roubo à Maria umas chouricitas para levar também. E V. não julgue que é fácil! Que ela não sabe ler nem contar, mas quanto às chouriças dá sempre por falta delas!”

-“Chiça para Vomecês! Eu não tenho ovelhas nem mato porcos! Sou mestre de obras! Querem que leve um tijolo burro?”

-“ A bem dizer o Compadre é tanto mestre de obras como eu sou condutor da camioneta da carreira. Eu ando num Taxi e Vomecê é mas é Pedreiro, mas não se amofine e vá pensando nisso”.

O Zé “peido manso” lá decidiu ,depois de muito instado, começar a aparecer com “qualquer coisita”.

Como a próxima “festa” era em casa de meu sogro, o que por lá se passou faz parte dos “estórias” com que ele mais tarde nos entretinha.

Seriam 9 ou 10 amigos, contando com os 3 compadres e com o dono da casa.

A minha sogra tinha a mesa posta na Adega com 2 travessas de bacalhau cru desfiado e temperado, mais duas de febras e iscas de porco assadas, farinheiras tostadas na sertã e 4 pães de kg do Sabugueiro. O lugar de honra, ao meio da mesma mesa, era reservado para o queijo do Ti Correia, um “monumento” que ele já tinha avisado que traria. Havia ainda uma tábua e uma assadeira de barro onde o Taxista podia dispor as chouriças “desviadas” à sua legítima.

Chegada a “trupe” dos compadres apresenta-se o Zé Pedreiro e mostra o que levava para a festa: uma lata de atum.

-“Desculpem, mas como vim de bicicleta foi o que coube na algibeira”

Todos olharam e não pensaram nada bem. Uma latita para 9?

Comeu-se e bebeu-se. Elogiou-se o vinho, branco e tinto. Elogiou-se o queijo, com quase 3 kg estava de lamber os beiços. Deram-se vivas às chouriças, ali mesmo assadas em bagaço do bom.

No final o meu sogro deu 2 garrafas, uma de branco e outra de tinto, a cada conviva. Quando chegou a altura do Zé “peido manso”, pediu licença foi à cozinha buscar uma garrafita de cerveja, lavou-a à frente de todos e disse:

-“ Amigo Zé , quer do branco ou do tinto? Como vai de bicicleta não quero estorvá-lo com as garrafas maiores…”

Estava dado o recado. Mas não parece que tenha tido muito efeito…

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