sexta-feira, agosto 19, 2011

Para Descansar a Vista

Já aqui falei da “Sesta”. E hoje volto ao tema para os habituais poemas das sextas-feiras. Dois grandes poetas portugueses e um do Brasil discorrem sobre o sonho e sobre a “noite” dos nossos sentidos: as horas que passamos a dormir.

Para alguns, serão tempo perdido e “mau planeamento” do Criador, por isso treinam-se para reduzir as horas de sono, de forma a optimizarem a respectiva presença, sempre  alerta, na sociedade.

Para outros o sono é apenas um veículo que os conduz a um outro mundo, talvez mais sereno e bem organizado do que aquele que pisam durante as horas de trabalho diárias. Uma porta para a fantasia.

Nestes últimos me incluo.



Durmo. Se Sonho, ao Despertar não Sei

Durmo. Se sonho, ao despertar não sei
Que coisas eu sonhei.
Durmo. Se durmo sem sonhar, desperto
Para um espaço aberto
Que não conheço, pois que despertei
Para o que ainda não sei.
Melhor é nem sonhar nem não sonhar
E nunca despertar.

Fernando Pessoa, in "Cancioneiro"


Dormir um Pouco...

Homenagem a Federico García Lorca

Dormir um pouco — um minuto,
um século. Acordar
na crista
duma onda, ser
o lastro de espuma
que há no sono
das algas. Ou
ser apenas
a maré, que sempre
volta
para dizer: eu não morri, eu sou
a borboleta
do vento, a flor
incandescente destas águas.

Albano Martins, in "Castália e Outros Poemas"


Dormindo

De qual de vós desceu para o exílio do mundo
A alma desta mulher, astros do céu profundo?
Dorme talvez agora... Alvíssimas, serenas,
Cruzam-se numa prece as suas mãos pequenas.

Para a respiração suavíssima lhe ouvir,
A noite se debruça... E, a oscilar e a fulgir,
Brande o gládio de luz, que a escuridão recorta,
Um arcanjo, de pé, guardando a sua porta.

Versos! Podeis voar em torno desse leito,
E pairar sobre o alvor virginal de seu peito,
Aves, tontas de luz, sobre um fresco pomar...
Dorme... Rimas febris, podeis febris voar...

Como ela, numa lividez de névoas misteriosas,
Dorme o céu, campo azul semeado de rosas;
E dois anjos do céu, alvos e pequeninos,
Vêm dormir nos dois céus dos seus olhos divinos...

Dorme... Estrelas, velai, inundando-a de luz!
Caravana, que Deus pelo espaço conduz!
Todo o vosso dano nesta pequena alcova
Sobre ela, como um nimbo esplêndido, se mova:
E, a sorrir e a sonhar, sua leve cabeça
Como a da Virgem Mãe repouse e resplandeça!

Olavo Bilac, in "Poesias"

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