quinta-feira, novembro 10, 2005

O Problema em França - Comentário de Albano Rosa

"ESCUMALHA" DE PARIS

Nos dias que correm tenho vindo a participar no Congresso das Comunicações.
Alguém disse no evento que este sector é um oásis face ao estado geral da economia do país. Compreendo.
Tem-se falado bastante no Congresso em reforço da cidadania, entendida esta como sendo uma aspiração para que mais pessoas possam usufruir dos serviços que são oferecidos pela sociedade da informação. Percebo, querem fazer mais negócio.
Pregar por cidadania não passa por dar supostas condições de acesso à sociedade da informação às pessoas desfavorecidas e aos seus filhos, mas sim por rever todos os elos da vida dessas pessoas, sobretudo no que respeita ao trabalho (e aqui devemos ter desde logo bem presente que a noção de "core" - cuja aplicação afastou essas pessoas para guetos - provoca a exclusão).
Os diferentes capítulos da vida das pessoas podem comparar-se aos elos de uma cadeia: trabalho, lazer, família, vida afectiva, habitação, saúde, etc. Tal como acontece numa cadeia, quando se parte um elo na vida de uma pessoa ela pode fracassar.
O mais provável é a "escumalha" de Paris ser uma mistura de criminosos da droga, oportunistas, deserdados da sorte, desesperados de todo o tipo, irresponsáveis e inconscientes; pelo meio, nesta altura do campeonato devem pulular os controleiros e os infiltrados de todo o tipo; como sempre e em todo o lado, haverá certamente os "bons" e os "maus", provavelmente muitos deles já com a cadeia partida; a origem étnica dessas pessoas não pode ser um factor despiciendo na análise do problema.
Li num jornal que muitas destas pessoas apenas podem aspirar, quando muito, a trabalhar em empresas de limpeza.
Isso fez-me lembrar que, antigamente, as empregadas da limpeza faziam parte dos Correios; a certa altura achou-se que ganhavam de mais e que a limpeza não fazia parte do negócio "core"; mandaram-nas por isso embora, a receberem muito menos do que recebiam quando cá estavam; ganhou a Empresa e ganharam os empresários do sector, dividindo a meias o que foi retirado a essa gente.
Por força da nossa decisão bastantes dessas pessoas assentam hoje muitos dos elos da sua vida em guetos - habitação, saúde, trabalho mal remunerado e dependente de empresários, muitas vezes sem escrúpulos, etc.; frequentemente, essas pessoas não têm nas suas relações qualquer elemento que lhes possa servir de referência, seja ela ética, ou outra.
As razões dos problemas da França são iguais às nossas, uma vez que seguimos a mesma cartilha.
Talvez seja necessário começarmos por rever o modelo do mundo do trabalho, ainda que isso nos custe algum encarecimento no custo dos produtos e serviços; a base da reintegração começa aí, provavelmente.
Bom será que os apelos de todos ao reforço da cidadania não venham a ser vistos como gestos hipócritas.

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