quarta-feira, julho 27, 2005

O CORREIO-MOR FEITO PELOS SEUS LEITORES


TGV – parte 3 do texto do Maurício Levy

De que falamos então?


De transporte de mercadorias pesadas (ou ligeiras) em comboio específicos de mercadorias em linha de AV, com material típico desse tipo de transporte a velocidades da ordem dos 120kms/h (para velocidades superiores há que construir ou comprar vagões muito mais sofisticados – e, logo, caros – e alguém terá que pagar o sobrecusto – mesmo descontando os ganhos de produtividade que essa nova velocidade eventualmente induziria).
Por outro lado, a não ser que se admita aumentos de custos de investimento e manutenção da via, os ditos vagões (“normais” ou “especiais”) terão que limitar o seu peso por eixo para valores próximos dos admitidos para os TGV – 17 ton/eixo – o que lhes limita, regra geral, a carga útil, já que os vagões de mercadorias admitem geralmente pesos por eixo de 22,5ton (ou mais).
E se um vagão não pode transportar a sua carga máxima.. alguém (o cliente) tem de pagar o diferencial...


Mas há mais: a essas velocidades as linhas a construir não podem ter o perfil que poderiam ter se fossem só para passageiros: as velocidades de 300kms/ engendram forças dinâmicas que permitem aos comboios suportarem pendentes da ordem dos 36 por mil, enquanto que um perfil típico para linhas de mercadorias situa a pendente máxima nos 12 por mil.
Isso quer dizer que uma linha de AV só para passageiros pode “colar” muito mais ao terreno e ter muito menos pontes e túneis do que uma linha mista (claro que a importância dessa economia depende da natureza da orografia atravessada – mas existe sempre). Também em relação ao raio de curvatura existem particularidades que seria fastidioso explicar e que provocam necessidade de maiores raios para as curvas. Daí resulta, para uma configuração pouco complicada de terreno, e segundo os cálculos do Prof Lopez Pitta, poder contar-se com um sobrecusto do investimento da ordem dos 20%.
Alguém terá que pagar esse sobrecusto – O Estado se suportar o investimento ou o cliente se este se repercutir no custo do transporte, aquando da integração do valor de amortização do investimento no preço proposto pelo transportador ao cliente

Mas há mais ainda:
a própria exploração das linhas implica um sobrecusto ligado ás diversas tipologias de material circulante que sobre a via circulam (e tanto maior quanto maior for o diferencial de peso por eixo – isto é existe um “trade off” entre o melhor aproveitamento dos vagões e a circulação destes com pesos por eixo próximos dos 22,5 ton ou a sua circulação com capacidade de carga desaproveitada mas implicando valores de carga por eixo mais próximas das 17 toneladas admitidas para passageiros).
Portanto, para além dos sobrecustos de investimento há o sobrecusto de exploração originado pela necessidade de manutenção acrescida motivado pela diversidade do material circulante que a linha suporta (com destaque – mas não é factor único - para a questão do suporte de maiores pesos por eixo). Alguns cálculos situam esse sobrecusto também nos 20%
Por sua vez a existência de circulações de diversas tipologias de velocidades também implica sobrecustos apreciáveis. Com efeito e como é fácil de ver, quando a exploração não é feita segundo a técnica da “bateria” (conjunto de comboios circulando á mesma velocidade e com a mesma lei de paragens) perde-se capacidade (isto é não é possível inserir o número máximo de comboios que a linha suporta) – ou, em alternativa, tem que se prever instalações de ultrapassagem, o que implica mais investimento e mais custos de exploração (normalmente a situação no terreno acaba por ser um compromisso entre as duas “soluções” – criam-se linhas de resguardo activas mas não tantas que permitissem a recuperação da capacidade máxima da linha). Qualquer destas situações origina... (sim, adivinharam...) sobrecustos (embora, como é óbvio, os sobrecustos ligados á perda de capacidade possam ser negligenciáveis se a linha não está saturada ou perto da saturação...).
Já vimos então que meter mercadorias em linha de AV não “sai à borla” (pelo contrário)

(continua...)

Maurício Levy

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