
Gosto muito de ver os oficiais do mesmo ofício a frequentarem os colegas. É saudável e parece sempre bem. E se quisermos procurar desígnios mais "obscuros", tem ainda a vantagem de assim se poder "espiar" a concorrência sem ter que espreitar pelo buraco da fechadura.
O que, obviamente e pelas pessoas referidas, nunca, (mas nunca mesmo !) estaria em causa naquele dia do almoço citado.
O Pedro tinha recebido de Tondela dois cabritos daqueles de comer e chorar por mais. E foi o que se comeu. Com um tinto argentino assinado Rui Reguinga, feito com Malbec e Touriga Nacional. Um pouco estranho mas muito gastronómico.
Esta situação lembrou-me a velha Cascais da Rua das Flores (rua da lota) , lá para os anos 80 do século passado, onde os proprietários dos restaurantes se davam todos bem mas não desdenhavam espreitar pelo canto do olho o que se passava nas casas "do lado". Sobretudo quando o negócio ia mais fraco.
Nessas alturas era usual mandarem um empregado dos mais novos ir até à Rua Direita e voltar devagar, tomando mentalmente notas para depois fazer o relatório à chegada. Assim que os outros davam pelo "passeio" começavam logo a chamar coisas feias ao desgraçado. E a mandá-lo trabalhar ou, ainda pior, a "regressar à barraca"!
Nós clientes gozávamos como uns perdidos com estas cenas. Muitas vezes trazíamos as contas, que tínhamos pago numa casa , para a outra e tentávamos fazer negócio com as ditas cujas:
- Oh Sr. Américo (do Sagres) troco esta conta do Beira Mar por um whisky velho!
- Ai não quer? Não faz mal que vou vendê-la ao Sr. Pinheiro! (Do Pimentão).
Claro que era tudo na brincadeira. O meu amigo Manuel Moreira (infelizmente já desaparecido) fazia um cozido à portuguesa descomunal no Pipas, nas quartas feiras de Inverno. Eu era cliente, já se sabe.
Parece-me até que com o Luís Corte-Real e mais uns parceiros (onde o Paulinho Mendonça do Beira Mar às vezes se incluía) demos cabo do stock do Tinto de Borba rótulo de cortiça de 1964, uma pinga de cair para o lado... Quando vieram as últimas garrafas para a mesa o Manuel Moreira disse logo que aquelas não se vendiam. Era oferecidas.
O sucesso espalhou-se. Começou a soar a história do "cozido das quartas feiras " e de como o grupo do "cozido" , que tinha começado com 4 mânfios por minha instigação, já ia em 9 ou 10.
Pelo que alguns dos colegas dos outros restaurantes pensaram logo na imitação. Quem se adiantou foi o Sr. Américo.
E logo convidou o grupo numa quinta feira para o cozido dele. Lá fomos. Era também muito bom. Estávamos no tempo em que a esposa ainda tomava conta da cozinha no Sagres, a Dª Maria da Luz. E ela sabia cozinhar magnificamente.
Ficámos assim com um problema. Onde ir? É que comer cozido às quartas e às quintas pode fazer-se por uns tempos, mas tende para o enjoo, como percebem.
Quem ganhou esta contenda foi o Borba de 1964. Ou seja, o Manuel Moreira do Pipas, que sempre tinha tido faro para abastecer a garrafeira quando lhe cheirava que o vinho poderia aguentar-se bem.
E lá nos íamos distraindo com estas exéquias. Bons tempos em que eram estas as preocupações. Brincar com os amigos entre garfadas e copos de muita qualidade.
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