Não há fome que não dê em fartura. Dois poemas na mesma semana. As circunstâncias são de molde a espevitar a veia poética ...
(Atenção!! Não se leia "espetar a veia anémica". Não foi isso que eu disse nem sequer o que pensei!!)
Abandono o País cheio de dúvidas sobre o que se vai passar na política, angustiado pelo empate do meu Benfica na Escócia, preocupado com a resposta do CDS ao PSD, mortinho por não ser "mosca" e presenciar o Conselho de Estado, à rasquinha para pagar a 2ª prestação do IMI que já espreita, e a contar os "trocos" para as despesazitas da viagem ao Qatar, que isto de viajar hoje em serviço para o estrangeiro já foi chão que deu "uvas" (quero dizer, ajudas de custo).
Pensando bem, depois de escrever a última frase ( e deixando passar a questão dos cobres para comer lá pelo Golfo) até que me apetece dar um suspiro de alívio por abandonar o retângulo pátrio.
Mas adiante que não estamos em Amarante!
De Herberto Hélder, o grande e misógino poeta, Pai de Daniel Oliveira um dos enfants terribles do nosso jornalismo de esquerda, aqui vos deixo esta obra-prima:
A Fonte
Ela é a fonte. Eu posso saber que é
a grande fonte
em que todos pensaram. Quando no campo
se procurava o trevo, ou em silêncio
se esperava a noite,
ou se ouvia algures na paz da terra
o urdir do tempo ---
cada um pensava na fonte. Era um manar
secreto e pacífico.
Uma coisa milagrosa que acontecia
ocultamente.
Ninguém falava dela, porque
era imensa. Mas todos a sabiam
como a teta. Como o odre.
Algo sorria dentro de nós.
Minhas irmãs faziam-se mulheres
suavemente. Meu pai lia.
Sorria dentro de mim uma aceitação
do trevo, uma descoberta muito casta.
Era a fonte.
Eu amava-a dolorosa e tranquilamente.
A lua formava-se
com uma ponta subtil de ferocidade,
e a maçã tomava um princípio
de esplendor.
Hoje o sexo desenhou-se. O pensamento
perdeu-se e renasceu.
Hoje sei permanentemente que ela
é a fonte.
Herberto Helder
Nota: Retrato de Herberto Hélder é de Frederico Penteado
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