segunda-feira, fevereiro 15, 2016

Aproveitar os esconsos



Quartos  em  mansarda com tectos inclinados, esta a primeira ideia que temos para definir a palavra "esconsos".

Depois veio a habitual generalização para "esconderijos", "cantos", "ângulos", e até para "actos dissimulados".

É muito portuguesa a vontade de aproveitar bem todos os cantinhos. Não deixar um cm de parede sem aproveitamento, ter sempre em atenção que por baixo das janelas pode caber um armário, no vão das escadas faz-se uma casa de banho, qualquer recuo de parede daria muito bem para mais um roupeiro. É até politicamente célebre o aproveitamento da varanda presidencial com "marquise" fechada.

Há quem diga que  esta tendência decorativa (?) pode estar enraizada no antigo hábito lusitano de "poupar".

A classe média - porque os pobres nunca puderam poupar, a não ser no que punham em cima da mesa - estava habituada aos "sacrifícios".

No "tempo da outra senhora" só o pensamento de que um filho ia seguir os estudos dava para anos de poupança obrigatória destas famílias. A vida de todos os dias era orientada por esse princípio: ter de poupar para qualquer coisinha que acontecesse, uma doença, um azar (como perder o emprego) , pagar os estudos ao rapaz, etc...

Não haviam sistemas de saúde, nem educação gratuita. Nem salubridade, nem tratamento de esgotos,  nem boa alimentação.

O magnífico documentário na RTP 2 sobre a Gripe Pneumónica em Portugal nos anos que se seguiram à 1ª Grande Guerra (de Fernando Rosas, episódio 13 de "história a história") explica bem o que foram esses anos e de que forma estava este pobríssimo país "preparado" para uma calamidade.

Reparem que "poupar para pagar uma casinha" é um fenómeno mais moderno, que terá começado com o Sr. J. Pimenta, lá para 1965.

J. Pimenta ,  falecido em Abril de 2015,  foi o precursor do "pato-bravo" em Portugal. O pequeno empresário meio aproveitador, que começou por baixo, geralmente como pedreiro e acabou como construtor civil.

 A seguir  veio o 25 Abril, aumentou o poder de compra, criaram-se as infraestruturas de apoio social, respirou a classe média, diminuiu o fosso entre ricos e pobres.

E depois? Bem, depois se calhar gastou-se muito e depressa. E lá chegou  a crise económica e financeira onde ainda estamos.

Embora os alcatruzes da nora não tenham andado ao contrário ( felizmente!) o que é certo é que a população se viu a braços com mais dificuldades e já sem o velho hábito de "poupar".

Porque quem sabia poupar e tinha poupado estava agora a dormir o sonho eterno. Enquanto que muitos dos mais novos não tinham esta vacina no sangue. Não precisavam de a levar, era como a varíola, que aparentemente está extinta desde 1978...

Reaprender a poupar pode ser nesta altura um traço de sobrevivência importante. Ainda mais com a lepra do desemprego a pairar por cima da cabeça dos mais novos.

Não me admiro por isso se tornar a ver o povo a fechar as marquises, nem que seja para lá porem uma cama para algum filho que voltou a entrar no agregado familiar.

Aproveitar os esconsos. Cada vez mais.

A arquitectura minimalista de interiores à la mode de Philippe Stark ou Shiro Kuramata é um luxo. Que podemos apenas vislumbrar nas revistas da especialidade, tal como as fotografias do novíssimo Bentley Bentayga...

A não ser para alguns. Aqueles que já esgotaram a fila de espera para o tal Bentley.

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