segunda-feira, março 10, 2014

Vinhos velhos , apreciadores novos? Ou velhos?

A malta dedicada às coisas do hipismo há muito que ouve falar da injunção : "Cavalo novo , cavaleiro velho. Cavalo velho, cavaleiro novo".

Por um lado, é a experiência do cavaleiro com anos de sela que serve para ensinar os cavalos novos, enquanto que, por outro lado,  será o cavalo já sendeiro e avisado que sabe perdoar os pecados da juventude ao cavaleiro novo, ainda sem prática , nem postura.

Quanto aos vinhos não é fãcil construir um adágio semelhante.

Todos temos a noção que o MKT da moderna enologia tem por objectivo rentabilizar as marcas tão depressa quanto possível, o que leva os produtores a fazerem cada vez mais vinhos que são para beber jovens, plenos de força e de taninos, alguns deles "amaciados" expressamente para poderem obedecer à lógica inexorável da alta rotação dos stocks.

Li já não me lembro onde - mas a fonte era francesa -  que alguém se  recordava com saudade das garrafeiras que os pais faziam para os filhos, depois de terem bebido aqueles vinhos que os avós tinham amorosamente posto de lado para eles. Estamos portanto a falar de vinhos que aguentavam em cave 25 anos , 30  anos e até mais anos.

Esse paradigma acabou. Se exceptuarmos o Barca Velha , que costuma ser comercializado com 8 ou 10 anos de garrafa, a esmagadora maioria dos vinhos de mesa que não são generosos (mesmo os ditos Reservas e Grandes Reservas) estão feitos para beber 3 ou 4 anos depois da vindima.

Não digo que são "maus"! Pelo contrário, o desenvolvimento da tecnologia dá-nos cada vez mais melhores vinhos e mais baratos! O que digo é que se perdeu com estes avanços modernos a noção do sabor e do gosto do vinho velho evoluído, que nunca se deve confundir com o vinho velho estragado, oxidado ou sujo já de podridão!

O jovem "turco" a quem hoje se dá a provar um Dão com 25 anos , já descascado e relativamente pálido, deverá olhar para ele com algum desdém, não lhe reconhecendo o fulgor e o impacto sensorial que lhe inunda as papilas gustativas de um vinho bem feito, negro retinto e frutado a amoras,  com 4 ou 5 anos de vindima.

O que se perde com isto tudo é uma franja de outras sensações. As que decorrem da avaliação de parâmetros hoje um pouco fora de moda, como a "elegância", o bouquet a sobrepor-se muitas vezes ao gosto, a delicadeza dos sabores a pinhões, amêndoas e a avelãs, que o tempo se encarregou de  trocar pela fruta vermelha ou preta.

Quem beber um Bussaco com 30 anos (tinto ou branco) pode ter a certeza que está a degustar uma raridade. Que não substitui - nem tem essa pretensão - um Douro Touriga de 2011 como o Vallado ou o Passadouro...

Eu, pessoalmente, sou muito a favor da diversidade do leque de sabores possíveis de encontrar dentro da moderna enologia.

Tudo isto a propósito de uma prova de vinhos velhos que se fez este fds em casa de uns bons amigos.

Em redor de um arroz de marisco e de um cabrito assado no forno, beberam-se : Dão Alves de Sousa de 91 , em Magnum. Bairrada Cordeiro de Sousa de 91. Évora Fundação Eugénio de Almeida comemorativo da  3ª Assembleia Patrimónios Mundiais UNESCO, de 95.

Muito aceitáveis ainda o Bairrada e o Dão - naquele registo de vinho antigo, como referi. O alentejano, infelizmente,  estava já estragado...

O bouquet esplendoroso do Dão Alves de Sousa - resina e pinheiros - inundou-me as narinas, apesar da cor desmaiada e do sabor fino e delicado. Um vinho para beber de olhos fechados...

2 comentários:

Américo Oliveira disse...

Se escasseiam adágios não faltam versos populares a glorificar o néctar dos deuses, como este oriundo da pátria de Victor Hugo:

PRECE DO BORDALÊS

Meu Deus...
Dê-me a saúde por muito tempo
Amor de vez em quando
Trabalho, não muito assíduo
Mas Bordeaux todo o tempo.

Américo Oliveira disse...

Como é sabido, as traduções deixam muita coisa pelo caminho, como se pode confirmar pela leitura do poema na língua original:

PRIERE DU BORDELAIS

Mon Dieu...
Donnez moi la santé pour longtemps
De l'amour de temps en temps
Du boulot, pas trop souvent
Mais du bordeaux tout les temps.