terça-feira, março 25, 2014

As misturas

O meu Pai sempre me avisou para "ter cuidado com as misturas". Referia-se às qualidades de álcool, está claro!

Misturar a cerveja com o vinho, o whisky com o gin, a aguardente velha com a ginjinha.
Dizia-se que "fazia mal". E que a pior "borracheira" de todas , pela ressaca que dava, era essa da mistura.

Os factos científicos nunca comprovaram essas ideias. Segundo os entendidos, "álcool é álcool, e o grau de cada bebida é que influencia a situação geral do bebedor, não o tipo de bebida".

Mas a tradição tem muita força.

Reparem que só falo de bebidas meias "cotas". É sintoma da idade que levo e da pouca experiência ( e pouca paciência) que tenho actualmente de frequentar os locais da "night" onde se bebem os "shots" da moda.

A Vodka, por exemplo, não sei se por causa da longa noite fascista e das suas conotações soviéticas, não era bebida da moda naqueles anos 70's. Mas dessa ainda aprendi a gostar moderadamente - com gelo, limão e água tónica. Agora  de  "shots", servidos em copos estreitos gelados, a que  os antigos empregados da arte chamavam   "copos a bagaço", não consigo gostar.  Não me sabem bem, não lhes consigo encontrar complexidade de gosto. Parecem-me  simples  injecções de grau álcool.

Mesmo assim, e apesar do meu desconforto, conheço malta da minha idade que nunca deixou esse hábito de frequentar os bares e discotecas a partir das noites de Quinta Feira (dizem que é quando a estudantada mais aparece), estendendo-se para a Sexta e para o Sábado. Ou têm fígados de ferro velho ou já nem sabem o que fazem à conta da cirrose hepática?

Claro que não! Porque não admitimos que se pode tratar de pessoas que gostam dos ambientes e da música? E de ver a malta nova, está claro!

Essa ideia que temos de nos embriagar por obrigação quando saímos à noite é uma coisa muito "moderna" e "práfrentex" que era olhada de soslaio há 30 anos atrás.

Não é que a malta não se empiteirasse de quando em vez! Pelo contrário! Mas quando saíamos à noite o objectivo primário era "engatar a miúda" e não  levar uma ou duas "peruas" para casa...

Não sei  se ainda hoje assim é, mas naquele tempo, um gajo copofónico a tentar engatar uma jeitosa era algo  que  levava imediatamente  o "Frigidaire" do Jaime Aury - famoso porteiro do Maxim's,  2m de altura para 140 kg de músculo - a pôr o impetrante na rua ao pontapé.

Nenhuma garina de respeito admitia que um gajo que a admirasse começasse o idílio perdido de bêbedo. Creio, admito e acredito piamente que ainda assim é.

Então porque motivo a malta nova (eles e elas) corre hoje ansiosamente para os balcões dos bares à procura da bebedeira mais rápida que houver, assim como se levassem um foguete espetado no cú?

Talvez porque o "bem estar" provisório e muito passageiro da "cadela" se sobrepôe na bolsa de valores da malta ao prazer da companhia do sexo oposto? Então, das duas uma: ou não sabem fazer amor - o que é o mais natural. Ou pretendem uma gratificação quase imediata e sem envolvimento emocional.

Conversa de velhos e a cheirar a mofo! Têm razão.

Por mim cada vez mais aprecio o vinho e menos os "espíritos". E cada vez bebo menos, porque o vinho que aprecio está cada vez mais caro...

Nesse preceito não sigo meu mestre Jean Anthélme de Brillat-Savarin, segundo o qual "o prazer dos bons espíritos se devia reservar para os anos já maduros, quando os frios da idade sugerissem o aconchego de um cognac envelhecido a preceito".

Eu adiantei-me. Acho que durante a minha juventude já  esgotei a minha "quota" dessas coisas. Whiskies de Malte ainda  bebo hoje em dia, como coroa de uma grande refeição, fazendo companhia a um bom charuto - situação cada vez mais rara no meu meio ambiente devido à época de austeridade.

E até já admito que um destes dias ainda me poderão ver a namorar com um copo de um grande Porto Vintage nas mãos... É a PDI...

Um comentário:

Américo Oliveira disse...

É... pode ser...
Mas ainda há quem - não querendo misturas - se mantenha fiel aos velhos hábitos:

UM SERÃO COM AS TIAS

A tua tia Ju, que na pensão «A Vida»
Ainda faz ela mesma o pão-de-ló
E avança pela vida com a fronte
Erguida de antanho, só descaída

De ancas e ombros («é coisa banal…»,
Palavras dela), aprecia, afora
Bolas-de-berlim, toucinho e palavrões,
O dominó. E um tremor infernal

Vai pela sala se «Sorte danada!»
Grita ao lançar o duplo seis na mesa.
Nem pias, a senhora tem oitenta
E bebe bagaço como limonada.

Gerrit Komrij (1944-2012) in Tutti-frutti