quarta-feira, março 05, 2014

As Cinzas

Depois de um Entrudo chuvoso caem as cinzas do azul de um  céu já quase primaveril. Pelo menos aqui para Lisboa.

A Quarta Feira de Cinzas marca o  início da Quaresma.  Na imposição da cruz na testa vê o cristão um símbolo da futilidade dos bens terrenos, um convite à reflexão sobre o efémero da vida e o absoluto que nos espera depois desta.

"Homem, tu és apenas pó e em pó te hás-de tornar".

Muito mais para trás os antigos povos nórdicos utilizavam este costume de espalhar cinzas no rosto em honra de Odin, cujo dia sagrado era quarta feira (Wednesday, dia de Odin). Essas cinzas dariam ao prosélito a proteção do deus.

Ainda mais remotamente, na Índia, a antiga religião védica tinha também um deus  - Agni , deus do fogo e dos materiais ígneos - cujos adoradores se pintavam de cinzas coloridas no intuito de lhes serem perdoados os pecados. E o próprio sangue purificado de Vishnu era por vezes apresentado aos fiéis em forma de cinzas. Vishnu Protector, o deus da trindade védica que tem a seu cargo a manutenção do Universo tal como o conhecemos, e que também era conhecido como o "purificador de pecados".

Toda a simbologia das cinzas aponta para estes termos: reflexão, introspecção, avaliação dos actos passados. O espírito antes da carne (que foi a grande variável que "mandou" no Carnaval).

Por isso a Quaresma da sobriedade, dos dias ditos "magros", onde a necessária limitação na ingestão de comidas fortes e bebidas intoxicantes vai  para além dos preceitos higiénicos da purga, contidos em tantas religiões.

Uma "Quaresma" quer-se também ( e sobretudo)  do espírito. Pôrmos à frente das considerações materiais os aspectos morais e éticos que entendemos respeitar, mas dos quais às vezes nos esquecemos.

Sejamos ou não Cristãos.

2 comentários:

Américo Oliveira disse...

Neste dia de moderação nas vitualhas, trago à lembrança Vinicius de Moraes e o seu,

SONETO DE QUARTA-FEIRA DE CINZAS

Por seres quem me foste, grave e pura
Em tão doce surpresa conquistada
Por seres uma branca criatura
De uma brancura de manhã raiada

Por seres de uma rara formosura
Malgrado a vida dura e atormentada
Por seres mais que a simples aventura
E menos que a constante namorada

Porque te vi nascer de mim sozinha
Como a nocturna flor desabrochada
A uma fala de amor, talvez perjura

Por não te possuir, tendo-te minha
Por só quereres tudo, e eu dar-te nada
Hei de lembrar-te sempre com ternura.

geraldes disse...

Como sempre um poço de cultura, aliás mesmo muito esotérica. É sempre um prazer aprender contigo meu caro Amigo.
Abraço esotérico do Paolo
( PS - post scriptum: adorei a referência ao número das focas amestradas com os carimbos... Já a apliquei hoje no meu local de trabalho, onde me chamaram para uma intervenção que estava a tender perigosamente para a complicação. Lá tive de te citar e disse " então é agora que os Colegas querem ver o número das bocas amestradas que eu consigo fazer com o bisturi e o porta agulhas ? Seus palhaços ...