sexta-feira, fevereiro 28, 2014

Para Descansar a Vista

Num dia de sol - e que falta já nos fazia! - vamos pensar positivamente, estribados numa noite certeira de futebol para SLB e FCP e com a certeza que, não havendo "safadezas" de deuses ciumentos,  hoje  haverá o costumado jantar de Lampreia entre Amigos, ponto alto da época "ciclostómica" de Cascais.

E para aqueles leitores que acharão de mau tom estar aqui a misturar comida com poesia, deixo o célebre aforismo do grande Bertold Brecht: "Para quem tem uma boa posição social,  falar de comida é coisa baixa. É compreensível: eles já comeram."

Antecipando e salivando, na expectativa de que o arrozinho de logo não  venha frio,  aqui vos deixo  um poema que prova  bem que se pode gostar de comer sem deixar de amar:

Dobrada à Moda do Porto

Um dia, num restaurante, fora do espaço e do tempo,
Serviram-me o amor como dobrada fria.
Disse delicadamente ao missionário da cozinha
Que a preferia quente,
Que a dobrada (e era à moda do Porto) nunca se come fria.

Impacientaram-se comigo.
Nunca se pode ter razão, nem num restaurante.
Não comi, não pedi outra coisa, paguei a conta,
E vim passear para toda a rua.

Quem sabe o que isto quer dizer?
Eu não sei, e foi comigo ...

(Sei muito bem que na infância de toda a gente houve um jardim,
Particular ou público, ou do vizinho.
Sei muito bem que brincarmos era o dono dele.
E que a tristeza é de hoje).

Sei isso muitas vezes,
Mas, se eu pedi amor, porque é que me trouxeram
Dobrada à moda do Porto fria?
Não é prato que se possa comer frio,
Mas trouxeram-mo frio.
Não me queixei, mas estava frio,
Nunca se pode comer frio, mas veio frio.

Álvaro de Campos, in "Poemas"


 


3 comentários:

Américo Oliveira disse...

A mesma temática, um outro olhar:

COLHEITA DE 98

Comprei ontem no supermercado
uma garrafa de maduro tinto
do Ribatejo. Se o rótulo não mente
estou perante um vinho de cor
granada, um corpo excelente,
de sabor e aroma muito acentuados,
com alguma evolução e persistência.

Talvez não seja o Bem, a Beleza,
a Verdade, mas é melhor
do que a minha vida etérea,
caprichosa, sem evolução, de cor
avinagrada e aroma nenhum.

Além disso á garantido por testes
laboratoriais, enquanto eu
quem me garante o quê?

[Joswé Miguel Silva in 'Ulisses já não mora aqui']

Américo Oliveira disse...

Em tempo: 'José" e não 'Joswé' como por lapso escrevi...

Américo Oliveira disse...

Tenho o teclado com as letras meio apagadas e, por via disso, os lapsos sucedem-se. Onde está "Além disso á" devia estar "Além disso é".