terça-feira, fevereiro 18, 2014

Médicos e doenças

Ontem foi dia de levar a minha santa "à revisão".  Trata-se, bem entendido, daquela revisão dos 850 000 km! Ou dos 85 anos, o que vem a dar quase no mesmo.

Nessa altura da existência o que é que um médico poderá fazer?
Na minha forma de ver, se não chatear já não é nada mau...

O que me leva ao avô Correia lá da Beira Alta, que toda a vida adulta (leia-se, assim que começou a ganhar uns trocos) fumava 2 maços por dia dos sempre recordados "Definitivos". E bebia de acordo com a sua vida de agricultor e comerciante de gado, ou seja muito, para as normas citadinas e lisboetas...

Já nos 92 anos foi ao médico  porque estava a ouvir cada vez pior (!!) e o "físico prodigioso" quis saber como era a vida do homem. Inteirado dos hábitos pouco congruentes com uma vida saudável (na cartilha por onde ele tinha estudado não se previa a fumaça nem muito menos os 3 litritos de tinto por dia) o Sr. Doutor Leitão (nome bem aviado) acabou a consulta com um raspanete:

"-Pode ir. Tem aqui umas análises para fazer. Olhe que está proibido de fumar e de beber! Ouviu??!"

Ao que o bom velho lhe retorquiu:

"Deixe lá Sr. Doutor , que já não morro novo. E quando morrer também era aborrecido ir daqui deste mundo cheio de saúde..."

Pois com a minha santa foi mais ou menos a mesma história.

Farta das "incompetências" das privadas tinha-se aventurado pelos meandros do SNS. Finalmente convencida que tal opção também não era a ideal regressou ao "ninho capitalista". E ontem foi dia de consulta numa dessas novas estalagens de luxo que por aí têm aberto como cogumelos,  tendo por cima o nome de "Clínica".

O Médico observou-a, mediu-lhe a tensão, quis saber quais os medicamentos que tomava (ela tinha trazido as embalagens todas na mala) e acabou por lhe receitar umas análises e dois dopplers (às carótidas e à coluna).

A "doente" quis logo saber:

"- Então e os medicamentos? Não receita?"
-" Vamos esperar primeiro pelas análises minha senhora."

Já na saída avisou-me logo:

-"Nunca mais cá venho! Eu só venho ao médico pelas receitas e quero lá saber dos exames! Isto está tudo feito com as clínicas! É uma vergonha! Eu vi logo que estavam carros grandes a mais no estacionamento! Comilões!"

Nota 1: A santa está em guerra com a nova política do TotoFactura e - nem sei bem porquê - odeia carros grandes, limusinas e topos de gama. Enfim, podia dar-lhe para pior...

- "Mas Mãe, sem exames como é que o homem sabe o que lhe há-de receitar?"
- "Receitava igual ao que outros faziam! Ou ele pensa que é melhor do que o Dr. Estrela?"

Nota 2: O Dr. Estrela era um médico famoso do Estoril, infelizmente falecido há mais de 20 anos.

"-Mas olhe que há agora medicamentos melhores! Mais modernos!"
- "Não quero saber! Se forem diferentes dos outros não os tomo! No fim de contas cheguei a esta idade  por causa dos outros!"

 Já um bocado marafado lembrei-me a tempo da resposta do velho Tio Correia.

E foi o que me valeu para fazer a viagem para casa em santa paz com a santa...

3 comentários:

Anônimo disse...

Está a sua "Santa" Cheia de razão eu que também sou clínico, com mais de 60 anos, luto diáriamente com os familiares dos velhotes de mais de 80 anos (e que já atingiram o tempo médio de vida lusitana) que insistem nos colesterois e glicemias dos pais e avós o que não qualquer tipo de interesse, pois para além de terem que morrer de qualquer coisa, não ná dr nenhum que apague o avanço do calendário. Como diria um doente meu de 70 anos que me pede uma análise de HIV pois não queria morrer com "má fama". Cumprimentos Álvaro

Américo Oliveira disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Américo Oliveira disse...

Jorge Borrow, um curioso e dedicado vendedor de Bíblias inglês, percorreu o Alentejo em meados da década de 1830 em nome da British and Foreign Bible Society, vindo mais tarde a escrever um livro em que relata a experiência vivida.

Um dia, numa estalagem de Évora, quis saber como um nosso compatriota, viajante como ele, se precavia contra os assaltantes que, não raro, tiravam a vida aos que se deslocavam sem protecção. Respondeu o nosso alentejano que era corajoso e nunca se separava da grande navalha de fabrico inglês, mas que na verdade, confiava pouco nela, antes numa pequena oração que trazia dentro dum saquinho suspenso do pescoço por um cordão de seda, certo que nenhum mal o poderia atingir enquanto o trouxesse consigo. O esconjuro era assim:

“Justo Juiz e divino Filho da Virgem Maria, nazareno que nasceste em Belém e foste crucificado no meio de todos os Judeus, rogo-te, ó Senhor, pelo teu sexto dia, que o meu corpo nunca seja apanhado nem de nenhum modo levado à morte pela mão da justiça. […] Se a execrável justiça suspeitar de mim ou em mim puser os olhos para me prender ou roubar, não me vejam os seus olhos, não me fale a sua boca, tenha ela ouvidos que me não oiçam, mãos que me não apanhem e pés que me não alcancem, esteja eu armado com as armas de S. Jorge, coberto com a capa de Abraão e embarcado na Arca de Noé, para que ela não me veja, não me oiça e não derrame o sangue do meu corpo. E assim te imploro, Senhor, pelas três cruzes, pelos três benditos cálices, pelos três santos clérigos e pelas três hóstias consagradas, que me concedas a suave companhia que deste à virgem Maria das portas de Belém às portas de Jerusalém, para que eu vá e venha em prazer e alegria com Jesus Cristo, Filho da Virgem Maria, a prolífera mas eternamente virgem.”

Pelo que conta o inglês, a dona da estalagem e a sua filha também traziam ao pescoço saquinhos semelhantes àquele, com feitiços que, diziam elas, impediam que as bruxas tivessem poderes para lhes fazer mal. Nem as bruxas nem os colesterois e as glicemias, imaginamos agora nós…