segunda-feira, novembro 28, 2016

Um "Ver se te avias"



Diz-nos o circunspecto Instituto Camões que a frase do título significa :"Termos de acelerar o nosso desempenho para cumprir uma determinada tarefa o mais rapidamente possível." 

Quem sou eu para discordar? Mas no vernáculo também se utiliza a frase em causa como sinónimo de "desbunda", "fartar vilanagem", expressões que pretendem designar uma pressa excessiva ou um ultrapassar dos limites em circunstâncias do dia-a-dia, e que são muito utilizadas no contexto político.

Fui almoçar à Cervejaria Ramiro, instituição quase "sagrada" da nossa restauração situada na Av. Almirante Reis,  um dia destes em que tinha obrigações de formador ali perto, na Rua da Palma.

A expressão "Ver se te avias" veio à baila pela forma de atender a malta que espera mesa à porta do dito poiso. 

Bem sei que a filosofia da famosa casa  é exactamente esta: serviço rápido, boa qualidade da matéria prima, "desimpeçam a mesa que há mais à espera lá fora". E foi coisa que não me incomodava quando era mais novo. Virava duas ou três bejecas, descascava o pratinho (agora caçoila) das gambas do Algarve, pedia um prego no pão , café e a conta. Em 20 minutos estava livre da incumbência.

Mas hoje, no virar dos 60? Aprecio outros mimos. Pano no guardanapo, simpatia, acolhimento e tempo. Sobretudo tempo para apreciar. Não gosto de ter que me levantar para dar acesso à mesa encostada à parede. E levantar-me outra vez para dar passagem à saída. 

Tenho pejo em ouvir as conversas todas por falta de espaço e intimidade, olho com reprovação os restos da mariscada no chão ou em cima das mesas. Vejo com antipatia  o casaco a arrastar-se pelo chão pela falta de altura das cadeiras. E se almoço com ele vestido passo a vida a cotovelar o vizinho do lado.

Ouço com algum horror que o bife do lombo não tem acompanhamentos  (vem a carne e pronto). Tremo de enjoo ao ver as torradas de papo seco com manteiga a chegarem às mesas em corrida, substituindo o "couvert".

A pressa com que tudo é feito traz algumas consequências. No meu caso as gambas vinham mal cozidas. A carne é boa, mas quem aguenta comer um bife inteiro sem batatas, arroz, salada, ovo a cavalo, qualquer coisa? "Peça pão" foi a resposta...

Amigos que idolatram o local e a quem me queixei (baixinho), disseram: 
-"Quem te manda lá ir almoçar? Aquilo é para petiscos!"

Uma coisa é certa: está sempre a abarrotar, cheinho de estrangeiros que afanosamente usam o dicionário no IPad para traduzir "percebes" ou "santola". Os preços são baixos, a relação qualidade do marisco (e da carne) face ao preço é excelente. Por 25 euros comem bife do lombo, gambas frescas, 3 imperiais e café.

 E como diziam os pais do MKT: "produto bom é aquele que se vende!" Ou seja, devo dar corda aos sapatos para outro lado e desimpedir o caminho para quem aprecia aquela filosofia. 

Recordo com saudade as horas passadas à volta do marisco excelente do velho Lusíadas ou da Marisqueira (ambos em Matosinhos). Que diferença. Com o pormenor (ou "pormaior") que em vez de 25 euros pagaria 125... Não há milagres.

É a idade. Juro que deve ser da idade. Estou a ficar aburguesado com certeza. Mas ali não devo voltar mais. Pelo menos  à hora das refeições principais...

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