sexta-feira, maio 06, 2016

Para Descansar a Vista, com Barca Velha de 64...

Tivemos o privilégio de receber outra vez em Portugal o Sr. Ralf Weinman, o profundo conhecedor de vinhos que é provador e gestor das adegas das mais altas personalidades, da Suiça até à China..

Desta vez o encontro foi no Beira Mar, em redor de umas "bruxas" da nossa costa e de uma cabeça de garoupa estalada no forno.  Provaram-se grandes vinhos da época moderna, sem dúvida. O "Pellada" de 2010 foi bastante elogiado, por exemplo.

Mas aquele que ficou no palato e mereceu mais elogios ao Sr. Weinman foi o Barca Velha de 1964.

Foi decantado e , por "ordem" do Ralf, bebido quase imediatamente, para não perder no ambiente os preciosos aromas.

No início apareceram os aromas terciários, como o couro, mas o vinho demonstrava desde logo que  apesar da provecta idade  certamente não estava morto. 
Apresentou nas papilas gustativas sinais de fruta, a lembrar os primeiros tempos onde todo ele devia ser exuberância,  Ginjas e morangos maduros apareciam quase por magia. Um grande senhor dos vinhos que mostrou saber envelhecer com extrema elegância.

Um portento ainda, apesar dos mais de 50 anos de vida! Um daqueles vinhos que nos faz lamentar não ter sido ainda inventada a máquina de filmar ou de fotografar sensações, tal a impressão que nos causou a todos.

Ficará na memória sensorial, bem sei, mas por quanto tempo?

Em louvor desse momento intemporal e em homenagem ao Douro,  aqui deixo um grande poema de Eugénio de Andrade, um libelo "contra a poluição e o nuclear" que afligem cada vez mais a nossa terra, de nós todos. Que tais flagelos nunca cheguem ao Douro nem  às nossas vinhas!!

(…) A poesia de Eugénio de Andrade sabe-(nos) à vitória , passo a passo, da plenitude e da esperança. Vitória conseguida de modo conscientemente precário sobre todo o negativo, mas conseguida (…)” –  As palavras são do grande mestre Óscar Lopes, um dos seus maiores estudiosos.

Para o meu Filho

Vais crescendo, meu filho, com a difícil
luz do mundo.  
Não foi um paraíso,

que não é medida humana, o que para ti
sonhei. 


Só quis que a terra fosse limpa,
nela pudesses respirar desperto
e aprender que todo homem, todo,
tem direito a sê-lo inteiramente
até ao fim. 


Terra de sol maduro,
redonda terra de cavalos e maçãs,
terra generosa, agora atormentada
no próprio coração; terra onde teu pai
e tua mãe amaram para que fosses
o pulsar da vida, tornada inferno
vivo onde nos vão encurralando
o medo, a ambição, a estupidez.


Se não for demência apenas a razão;
terra inocente, terra atraiçoada,
em que nem sequer é já possível
pousar num rio os olhos de alegria,
e partilhar o pão, ou a palavra;
terra onde o ódio é tanto e tão vil...


Besta fardada é tudo o que nos resta;
abutres e chacais que do saber fizeram
comércio tão contrário à natureza
que só crimes e crimes e crimes pariam.


Que faremos nós, filho, para que a vida
seja mais que a cegueira e cobardia?


Eugénio de Andrade


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