quarta-feira, janeiro 16, 2013

O preço das coisas

Enquanto esperava pelo médico -  num daqueles dias em que enganei o apetite ao balcão de um qualquer estabelecimento que antigamente era  café ou snack-bar,  e hoje parece ter sido arvorado em "qualquer coisa gourmet!" - reparei na conta.

Um café, uma água mineral, um croquete e uma queijada: 4 euros.

Indignei-me naquele momento. Até dava a ideia que o proprietário, para facilitar, tinha marcado tudo a 1 euro...Mas não, o café era a 60c.

4 euros eram antigamente 800 escudinhos. Com 800 escudinhos, em tempos que não vão assim tão longe da nossa lembrança - lá para 1993 -  dava a ideia que se faria  uma festança.  Pelo menos eu assim o pensava.

E vai de me informar:

Em 1993 Lech Walesa vai a Fátima, há o acidente no Aqua Park do Restelo, entra em órbita o 1º satélite português, Ferrer Correia assume a presidência da Gulbenkian, Mário Soares é PR.

Mas tomem  nota sff:  em 1993 o  passe social das 3 coroas custava já 4500 escudos, a gasolina andava pelos 150 escudos o litro, um café custava 50 escudos e uma refeição (Bitoque com ovo e batatas fritas) 450 escudos.

 20 anos depois verificamos que a gasolina subiu de 75c o litro para 1,6€,  o café de 25c para 60c,  o Bitoque num restaurante popular de 2,2€ para 5€ ou 6€ e o passe social  que custava 22,5€  custa  agora 40€ , mesmo depois das Troikadas...

Na realidade ao fim de 20 anos os aumentos não são assim tão exagerados. E as contas não enganam.


Temos a memória seletiva, ou então - e talvez pior - tal é a desgraça para onde caminhamos que o regresso ao passado parece cada vez  mais atraente. O passado torna-se assim um Paraíso Perdido à moda de Milton...

Mas cuidado. As voltinhas lá para o lado da "memory lane" têm sempre o risco de servirem de alcatifa para a realidade atual... E o que precisamos, cada vez mais, é de nenhuma anestesia e muita raça para enfrentar a P*** da crise.

Pois, como dizia Fernando Pessoa:
Vivo sempre no presente. O futuro, não o conheço. O passado, já o não tenho. Pesa-me um como a possibilidade de tudo, o outro como a realidade de nada. Não tenho esperanças nem saudades. Conhecendo o que tem sido a minha vida até hoje - tantas vezes e em tanto o contrário do que eu a desejara -, que posso presumir da minha vida de amanhã senão que será o que não presumo, o que não quero, o que me acontece de fora, até através da minha vontade? Nem tenho nada no meu passado que relembre com o desejo inútil de o repetir. Nunca fui senão um vestígio e um simulacro de mim.
O meu passado é tudo quanto não consegui ser. Nem as sensações de momentos idos me são saudosas: o que se sente exige o momento; passado este, há um virar de página e a história continua, mas não o texto.

Fernando Pessoa, in 'Livro do Desassossego'


Nota 1: para viagens recreativas às nossas memórias recomendo este site:

http://www.classmates.com/memorylane/

Nota 2: Se compararmos os salários da Administração Pública  em Portugal a preços constantes, descontando a inflação, verificamos que de 1993 a 2007 BAIXARAM 7%. E de 1993  para 2013, quando fizermos as contas com o novo regime do IRS,  a descida será ainda pior, pelo menos de mais 2 ou 3 pontos percentuais... Este é que é o Problema!

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