terça-feira, janeiro 22, 2013

O Fato Preto

Um dos meus amigos, um  grande senhor da industria do Porto, tinha uma relação difícil com o Pai.

Era rico, tinha sido educado em França e admirava a respetiva cultura  - assinava o Figaro e a Vogue Hommes, e não esquecia o À Suivre  - mas sobretudo vestia muito bem e "circulava" ainda melhor, por tudo o que o nosso país tinha de bom e de mais caro.

Conhecido por ser um individuo que criava as tendências de moda, trazendo de Londres e de Paris sempre as últimas novidades, causou estranheza quando, de repente, passou a usar apenas fatos pretos.

O que se passou foi a morte do Pai, um  sóbrio e trabalhador industrial nortenho cuja visão de futuro e vida de trabalho sério tinham feito a fortuna da família, e com o qual o "filho pródigo" não se dava assim tão bem - para não dizer pior.

Depois do Pai  falecer esse meu amigo nunca mais voltou a usar outros fatos sem ser os de cor preta. Era conhecido no Lourenço& Santos e no Nunes Corrêa como "o senhor dos fatos pretos".

O "fato preto" talvez fosse para ele uma marca  de penitência, por nunca ter feito as pazes com o pai. Mas  também uma espécie de "chamada às armas" que o alertasse para o facto de ter  acabado a vida de diletante e dandy,  famoso por escoltar as mais interessantes coristas das revistas,  e passava  - infelizmente - a ser altura de se dedicar ele mesmo, aos negócios da família.

O "fato preto" era assim uma espécie de sinal que marcava o ritual de passagem da adolescência para a idade adulta. A assunção da responsabilidade , a nomeação obrigatória para o lugar deixado vago de "pater familias". Só que nessa altura da mudança de vida já teria ele mais de  40 anos...

Acho que todos nós vestimos já  destes "fatos pretos". Uns mais cedo do que os outros.

Eu tive que assumir essa posição aos 25 anos, altura em que o meu Pai partiu. Era já casado e tinha um filho. Trabalhava no ISCTE como Assistente, nos CTT como Gestor de Produtos e ainda fazia estudos de viabilidade económica de investimentos como "free lancer"... Nos tempos livres ia para a Quinta da Marinha ensinar a malta nova a montar a cavalo.

Havia trabalho em barda  para quem quisesse trabalhar. O que nos faltava nesses anos era mesmo tempo para fazermos tudo o que queríamos.

Receio que muitos dos nossos filhos - do modo como as coisas estão neste Portugal de hoje -  só possam "vestir o fato preto", não no sentido de enterrarem a entidade paternal (cruzes credo!) mas sim  de assumir a posição dominante na família e na sociedade,   lá para as bandas da idade do meu amigo portuense. E se tiverem sorte...

Ou pensam que um gajo assim como eu não estaria mais que preparado para passar aos 60 aninhos o cajado de pastor ao senhorio e dedicar as últimas duas dezenas de anos de vida às minhas "devoções"?

Isso é que era.

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