Alguém duvida da poesia que existe no nosso quotidiano? Basta acreditar e logo se transformam os gestos corriqueiros e as paisagens domésticas de tachos e panelas e janelas entreabertas sobre a roupa estendida em motivos de inspiração...
E se não estão de acordo comigo leiam esta pequena maravilha de Nuno Júdice:
Quotidiano (Reflexão)
Por exemplo, as coisas que faltam neste lugar:
uma enxada para que as mãos não toquem na terra,
um ninho de pardais no canto da relha,
para que um ruído de asas se possa abrigar,
um pedaço de verde no monte que ainda vejo,
por detrás dos prédios que invadem tudo.
Mas se estas coisas estivessem aqui,
também faria falta um copo de água para ver,
através do vidro, um horizonte desfocado;
e ainda os restos de madeira com que,
no inverno, é costume atiçar o fogo
e a imaginação que ele consome.
Como se tudo estivesse no lugar,
pronto para ser usado na data prevista,
sento-me à janela, e fixo a única coisa
que não se move:
o gato, hipnotizado por um olhar
que só ele pressente.
Nuno Júdice, in "Meditação sobre Ruínas"
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