Estávamos filosoficamente e de forma bem decadente , a acompanhar o petisco das tabernas galegas de tempos idos com...Ruinart Blanc de Blancs (Muito Obrigado Dr Almerindo!) e continuámos por umas cabeças de cherne e garoupa estaladas no forno (cortesia da Dª Lurdes), saboreadas com 4 garrafitas de Mouchão que o Blogger disponibilizou....
E obviamente conversámos. De entre os assuntos respingo aqui um que me fez dar à noite algumas voltas na cama (as outras terá sido a cabra da Lampreia fumada aos saltos...).
Morreu com 48 anos de cancro. Apesar da fortuna e da tal dita "sorte" que teria tido.
Já em casa veio-me também à memória um outro Amigo com uma história bem estranha. O Pai tinha sido imigrado na Àfrica do Sul e lá montou uma empresa de metalo-mecânica (que era a sua profissão de raiz no Tramagal). Prosperou, passou de "vão de escada" a pequena empresa e quando deu por si já empregava 160 trabalhadores ...Teve este filho tarde na sua vida, da mulher que veio buscar à "terra". Quando chegou a hora de estudar a sério - depois de muito mandriar por aquelas "áfricas" - o rapaz preferiu vir fazê-lo para Lisboa em vez de continuar os estudos na terra de adopção. Nem ele saberá responder por que motivo. Se eu me tivesse que pôr a adivinhar diria que foi para sair de casa , já que muitas vezes, nesses anos 70's, as relações entre pais e filhos nem sempre eram as melhores, sobretudo entre um Pai trabalhador e um jovem meio "boémio"...
De todas as formas fomos colegas no ISCTE. Herdou muito do pai (que faleceu ainda ele não tinha concluído o curso). De tudo o que tinham em África se desfez ( ficando muito bem de vida) e aqui, nos arredores de Lisboa, montou uma Empresa com a Mãe, também de metalo-mecânica. Achámos todos estranho como um licenciado em Gestão poderia ter tomado tal decisão, mas assim foi.
Já rico e casado - 20 anos depois - voltei a vê-lo por esses restaurantes da moda, desde o Gambrinus ao Porto de Santa Maria. Sempre nos falámos muito bem, como colegas que éramos. Contou-me ele mais tarde que no início de 1997 ou 98, deslumbrado com as oportunidades que a EXPO 98 traria para o seu ramo, teria dado não um, mas para aí dois ou três "passos maiores do que as pernas". Meteu-se em subempreitadas de grande vulto, os Prime Contractors (promotores imobiliários ) não lhe pagaram. Os bancos começaram a torcer a corda e... teve de abrir falência.
Esta a história que ele contou. Há quem diga que também terá tido algum peso no descalabro um divórcio muito complicado e as "tornas" que teve de pagar à Ex-Mulher.
Em 2005 era vendedor de artes gráficas (as voltas que a vida deu), trabalhava como free lancer para várias firmas do ramo e assim tornei a encontrá-lo, já dentro da minha vida profissional.
Gostava de o convidar para almoçar, não porque tivesse algum gosto retorcido em ouvir contar desgraças, mas porque admirava a forma como aquele homem, que tinha "estourado" duas fortunas - ou quase - continuava de bem com o mundo e com os outros, optimista sempre, e a esperar que o dia de amanhã fosse melhor do que o de ontem..
Pagava as suas contas, andava de Toyota comercial 1.6 diesel, morava num pequeno apartamento , um T1 em Campo de Ourique em prédio que ele fornecera de caixilharias, aceitando o apartamento como pagamento. Não tinha relacionamento com os filhos, que não lhe perdoavam ter passado de rico empresário a "caixeiro viajante". Seria essa a sua maior tristeza.
Ensinou-me muito. Desde logo o facto de que viver bem não significa viver ricamente. Mas também ( e sobretudo) que só nós próprios temos a capacidade de anular o nosso espírito positivo.
O "enquadramento", os "arrredores" (como ele dizia muitas vezes), contribuem para fazer subir ou baixar os "cabedais" de alguém. Mas a felicidade de cada qual está nas suas próprias mãos. E isso ninguém nos tira. Só se deixarmos...
E isto afirmava ele - Cliente do Porto de Santa Maria e dos Barca Velha e Vinha do Fojo (então na moda 10 anos antes) - elogiando a meu lado um soberbo pargo assado no forno, no Polícia, e bebendo do óptimo vinho da casa (naquele tempo era o Herdade das Servas).
Mas sempre sorrindo. Não esperando mais nada da vida senão aquilo que ela presentemente lhe dava.
Desde que saí da Casal Ribeiro, em 2009, nunca mais o vi. Tinha mais 10 anos do que eu.
Se ainda for vivo (o que duvido, pois teria aparecido, nem que fosse para falarmos e almoçarmos) só lhe queria dizer daqui que tenho saudades...
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