segunda-feira, julho 11, 2011

Sorte e Azar

No Domingo passado almoçámos no Beira, em Cascais, a convite do Paulinho, para uns petiscos que só se apanham cá por baixo em havendo amigos que os trazem do Minho (ou  mais propriamente da Galicia): lampreia fumada,  recheada ou simplesmente grelhada.

Estávamos filosoficamente e  de forma bem decadente , a acompanhar o petisco das tabernas galegas de tempos idos com...Ruinart Blanc de Blancs (Muito Obrigado Dr Almerindo!) e continuámos por umas cabeças de cherne e garoupa estaladas no forno (cortesia da Dª Lurdes),  saboreadas  com 4 garrafitas de Mouchão que o Blogger disponibilizou....

E obviamente conversámos. De entre os assuntos respingo aqui um que me fez dar à noite algumas voltas na cama (as outras terá sido a cabra da Lampreia fumada aos saltos...).

Todos nos lembrávamos do Príncipe (era alcunha),  um amigo de Cascais que parecia ter nascido de traseiro virado para a lua... Herdeiro único de um par de Tias que detinham imenso património imobiliário em Carcavelos, desde o mar até às freguesias do interior e que valia milhões de contos em terrenos urbanizados , loteamentos já feitos e prédios construídos!  Este nosso Príncipe, ainda por cima, jogava na lotaria sempre com o mesmo número e na mesma tabacaria. Pois saíu-lhe a "Sorte Grande" não uma, mas duas vezes!!

 Morreu com 48 anos de cancro. Apesar da fortuna e da tal dita "sorte" que teria tido.

Já em casa  veio-me também à memória um outro Amigo com uma história bem estranha. O Pai tinha sido imigrado na Àfrica do Sul e lá montou uma empresa de metalo-mecânica (que era a sua profissão de raiz  no Tramagal). Prosperou, passou de "vão de escada" a pequena empresa e quando deu por si já empregava 160 trabalhadores ...Teve este filho tarde  na sua vida, da mulher que veio buscar à "terra". Quando chegou a hora de estudar a sério - depois de muito mandriar por aquelas "áfricas" - o rapaz preferiu vir fazê-lo para Lisboa em vez de  continuar os estudos na terra de adopção. Nem ele saberá responder por que motivo. Se eu me tivesse que pôr a adivinhar diria que foi para sair de casa , já que muitas vezes, nesses anos 70's, as relações entre pais e filhos nem sempre eram as melhores, sobretudo entre um Pai trabalhador  e um jovem meio "boémio"...

De todas as formas fomos colegas no ISCTE. Herdou muito do pai (que faleceu ainda ele não tinha concluído o curso). De tudo o que tinham em África se desfez ( ficando muito bem de vida) e aqui, nos arredores de Lisboa, montou uma Empresa com a Mãe,  também de metalo-mecânica. Achámos todos estranho como um licenciado em Gestão poderia ter tomado tal decisão, mas assim foi.

Já rico e casado - 20 anos depois -  voltei a vê-lo por esses restaurantes da moda, desde o Gambrinus ao Porto de Santa Maria. Sempre nos falámos muito bem, como colegas que éramos. Contou-me ele mais tarde que no início de 1997 ou 98, deslumbrado com as oportunidades que a EXPO 98 traria para o seu ramo,  teria dado não um, mas para aí dois ou três "passos maiores do que as pernas". Meteu-se em subempreitadas de grande vulto, os Prime Contractors (promotores imobiliários ) não lhe pagaram. Os bancos começaram a torcer a corda e... teve de abrir falência.

Esta a história que ele contou. Há quem diga que também terá tido algum peso no descalabro um divórcio muito complicado e as "tornas" que teve de pagar à Ex-Mulher.

Em 2005 era vendedor de artes gráficas (as voltas que a vida deu), trabalhava como free lancer para várias firmas do ramo e assim tornei a encontrá-lo, já dentro da minha vida  profissional.

Gostava de o convidar para almoçar, não porque tivesse algum gosto retorcido em ouvir contar desgraças, mas porque admirava a forma como aquele homem, que tinha "estourado" duas fortunas - ou quase  - continuava de bem com o mundo e com os outros, optimista sempre, e a esperar que o dia de amanhã fosse melhor do que o de ontem..

Pagava as suas contas, andava de Toyota comercial 1.6 diesel, morava num pequeno apartamento , um T1 em Campo de Ourique em prédio que ele fornecera de caixilharias, aceitando o apartamento como pagamento. Não tinha relacionamento com os filhos, que não lhe perdoavam ter passado de rico empresário a "caixeiro viajante". Seria essa a sua maior tristeza.

Ensinou-me muito. Desde logo o facto de que viver bem não significa viver ricamente. Mas também ( e sobretudo) que só nós próprios temos a capacidade de anular o nosso  espírito positivo.

 O "enquadramento", os "arrredores" (como ele dizia muitas vezes), contribuem para fazer subir ou baixar os "cabedais" de alguém. Mas a felicidade de cada qual está nas suas próprias mãos. E isso ninguém nos tira. Só se deixarmos...

E isto afirmava ele - Cliente do Porto de Santa Maria e dos Barca Velha e Vinha do Fojo (então na moda 10 anos antes) - elogiando a meu lado um soberbo pargo assado no forno, no Polícia, e bebendo do óptimo vinho da casa (naquele tempo era o Herdade das Servas).

Mas sempre sorrindo. Não esperando mais nada da vida senão aquilo que ela presentemente lhe dava.

Desde que saí da Casal Ribeiro, em 2009, nunca mais o vi. Tinha mais 10 anos do que eu.
Se ainda for vivo (o que duvido, pois teria aparecido, nem que fosse para falarmos e almoçarmos) só lhe queria dizer daqui que tenho saudades...

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