terça-feira, julho 05, 2011

A necessidade de "géneros de qualidade" para os Estudos Técnicos?

Vários colegas e leitores desataram a desancar no Blogger sobre a necessidade - aqui expressa ontem no Post sobre os enchidos de Portalegre - dos responsáveis estarem munidos de vitualhas em número e variedade e qualidade  suficiente para os "estudos técnicos" relacionados com a emissão de selos ou a edição do Livro que faremos sobre esta matéria (de grande complexidade) que são os "Sabores do Ar e do Fogo" - Presuntos e Enchidos Tradicionais de Portugal.

Deparei-me com o mesmo tipo de incompreensão sempre que, com o meu amigo Álvaro, requisitávamos à despensa caseira algumas garrafitas de vinho (e\ou de destilados),  para os óbviamente necessários temperos,  quando nos entretínhamos na cozinha, labutando em frente aos fornos para executar o almoçito da malta...

O aprendiz de queima-cebolas tem de estar bem disposto e de cara alegre, sob pena de se chatear, confundir propositadamente a noz moscada com a canela e...lá se vão as fatias douradas quentinhas da Santa para o "galheiro" (já me aconteceu fazê-lo há muito tempo, vingança pueril mas eficaz depois de me terem impedido de ver a bola por causa de uma qualquer telenovela que passava à mesma hora).

Na Cozinha tem de imperar a calma necessária para planear a execução da refeição, sem pressas. Têm que estar as coisas bem arrumadas e em locais conhecidos. Têm que ser muito limitadas as incursões de terceiros estranhos à Arte, que de quando em vez metem os c**** por portas adentro usando as infames expressões:
 - "Ainda falta Muito?"
 Ou ainda:
-"Quando é que se almoça?"
Ou até, já de forma impertinente:
-" Estou farto de esperar!"

O Mestre (ou aspirante a tal) levará sempre o tempo que for necessário para completar a obra prima. Caso a "coisa" dê para o torto - pode acontecer aos melhores - há sempre razões que se podem aduzir. Eu, pessoalmente , gosto bastante de utilzar esta:  a dificuldade em controlar a temperatura do forno (erudita e elegante!).

Tem também de existir sempre um Plano B, exactamente por causa "das moscas"... O meu preferido consiste em passar rapidamente da escolha primária para o Bacalhau. Havendo ( e há sempre) lá em casa um tupperware cheio de lascas de bacalhau , sem peles nem espinhas, previamente demolhado e a quem démos uma "entaladela", é fácil "encalar" (dar uma ligeira cozedura)  umas batatas ao momento, metê-las no forno com as lascas de Bacalhau por cima, cobrir com azeite, cebola, alho e pimentão. Ao fim de uma horita está o prato pronto a sair.

Ora exactamente o mesmo se passa com a questão dos materiais necessários aos Estudos Técnicos, para preparar a concepção e o design dos nossos produtos.

Poderão (os mal avisados e ignorantes) afirmar que para desenhar um chouriço tanto faz o " modelo" ser do Montijo como do Entroncamento, de porco branco, preto ou malhado, de porca criadeira ou de varrasco...

Ainda por cima se é para aparecer num objecto com a dimensão do selo quem daria por isso?

Errado Senhores! Existe a questão da integridade artística!

Se o "modelo" não importasse mesmo nada  o Leonardo da Vinci (nosso colega) não tinha passado tantos meses à procura das personagens ideais para darem vida à sua "Última Ceia". Nem o Vermeer (outro colega) teria escolhido tão bem a "Rapariga com  o brinco de pérola". Nem, por fim, teria o nosso compadre Rembrandt pintado a "Ronda da Noite" utilizando a Milícia dos Mosqueteiros de Amesterdão como "modelos", qualquer Grupo Recreativo noctívago  lhe serviria, por exemplo os "Regressados do Plateau na Sexta à Noite",  ou até os "Gregórios do Bairro Alto".

Pois assim é Senhores.

Um Presunto de Porco Alentejano pode - a alguma distância -  parecer-se com outro Presunto de imitação, mas quando admiramos mais de perto a sua carne rosada e a sua consistência marmórea, quando se atravessa no portão da dentuça, quando se aconchega a fatia ao palato sem a agressividade do sal, quando os odores inebriantes se espalham pelas narinas, só nessa altura louvamos a proveniência.

Os nossos Artistas devem saboreá-lo antes de o desenhar. Só assim se garante que partem para o conceito e design cientes da qualidade  e com respeito pelo verdadeiro "modelo".

Isto digo eu, que não desenho nada, mas nunca deixo o controlo da qualidade destas coisas por mãos alheias...

Era o que faltava!

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