Cresceu a tentar evitar pagar bilhete no eléctrico, a gamar umas uvas ou maçãs no Bolhão, a fazer favores nas lojas e mercearias a troco de rebuçados. Enfim, a dar mergulhos no Douro para os Turistas pagarem.
Roubava alguma coisa (pouca), trabalhava que se desunhava quando chegava a idade, nas obras, na estiva, a carregar os cabazes das compras... Era perito em "esquemas" e fazia das "borlas" e dos "favores" um manual de escola ( a que não tinha ido).
Se tinha costas para o largo e mãos e pés velozes, podia "afadistar-se" ou juntar-se a um grupo de forcados. Entrava asssim directamente na vida boémia da Capital, com direito a amante, vinho tinto, nariz quebrado e costelas sempre (ou quase sempre) ligadas. Caso contrário seguia o caminho dos "Moleros" de Dinis Machado (aka Dennis McShade) acima e abaixo por essas vielas de Lisboa ou do Porto. Cravava o bilhete para no Domingo ir à bola, fazia amizade com o ardina para ler a mesma Bola de borla, discutia com os amigos a "táctica" nas segundas feiras seguintes.
Apenas sobreviver sem emprego certo, ao Deus-dará das vicissitudes da construção civil, naqueles tempos em que se pagava "licença de isqueiro" , era já obra... Apenas os mais aptos (leia-se os "mais espertos") o conseguiam. Depois ia à tropa, fazia caminho de África. Não melhorava nem piorava muito ( a não ser que por lá ficasse, de pé ou deitado) e assim que chegasse outra vez a pisar as pedras das nossas calçadas europeias repetia tudo de novo.
Poucas vezes (muito poucas) se tornava um fora-da-lei, daqueles de crimes pesados, à mão armada. Claro que roubava sempre que podia, por oportunismo, no fim de contas naqueles tempos era a ocasião que fazia o ladrão... Mas era sobretudo grande praticante da arte de enganar o próximo nas coisas pequenas: nos trocos, no peso das vitualhas, nos cm das fazendas, nas entradas sem pagar para o cinema ao ar livre, no "salto" para dentro e fora dos comboios da Linha, quando queria ir à Praia e evitar o revisor, nessas coisinhas.
Ora depois desses anos tristes e conzentos, dos filmes a preto e branco do António Silva, da Radio Renascença e da Amália, veio a Revolução de Abril e veio a Liberdade, veio no fim de contas o grande matador , o assassino desses comportamentos: O Estado Social.
O nosso Chico-Esperto começou a perder qualidades por falta de treino. Havia medicamentos à borla, havia médico de borla também. Pagavam-lhe uns rendimentos especiais de inserção, davam-lhe o subsídio de desemprego estimável... Os melhores jogos da Bola passavam na TV... Até o Benfica (Santo! Santo! Santo!) tinha já um canal televisivo também!
Agora que estamos na reviravolta dos alcatruzes da Nora, os Chicos-Espertos Tugas ainda vivos dão largas à sua desilusão: é que nem há agora mordomias, nem sequer estão devidamente "treinados" para recomeçar a sua antiga vida de enganos e pequena ladroagem... Foi toda uma memória histórica de marginalidade medíocre que se perdeu...
E invejam os Lelos da feira do relógio. Esses gajos, suportados por uma ancestral cultura das margens do Indo, nunca se fiaram muito nas prebendas e benesses do Pós-25 de Abril. Lá que iam receber o Rendimento Social de Inserção, isso iam, afinal seriam Lelos mas não eram parvos! Mas nunca deixaram de dar o devido "treino" aos filhos e netos...
Pode ser que um desses, dos que nunca largaram o "treino", possa abrir uma Academia para "falcatruas, desvios de carteiras, falsificações e outras disciplinas". Os candidatos com melhores referências podem candidatar-se à Bolsa Vale e Azevedo. E, tal como na Católica, exigia-se logo "código de vestuário"! Nada de chanatas e calções de banho! Vigarista de sucesso traz sempre fato e gravata!
Só é pena já não se poderem candidatar a uns subsídiozinhos do Fundo Social Europeu para abrirem a escolinha... mesmo assim não tenho a certeza. É questão de perguntarem ao Durão, pode ser que ele "faça o jeito..."
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