segunda-feira, janeiro 05, 2015

Passagem de Testemunho

Comprava-se o Expresso em minha casa desde o primeiro número, embora meu Pai (que era funcionário público)  chegasse a ser interpelado no Ministério por entrar aos Sábados com “aquilo” debaixo do braço…

Quando comecei a ganhar dinheiro como assistente na faculdade, em Outubro de 1977, decidi que era a minha vez de cumprir o dever cívico dessa aquisição. E nunca mais deixei de o fazer.

Já nessa altura (começou em 1976) José Quitério escrevia a sua crónica de gastronomia no semanário. E não seria apenas por ela que o Expresso me sabia tão bem como o primeiro café da manhã, mas era fundamental para compor o ramalhete.

Probo, ridiculamente honesto, senhor de enorme cultura geral que o leva a discorrer também pela Tauromaquia e pelo Tango, José Quitério diz que a sua actividade não tem segredos. Era preciso provar muito e ler ainda mais. Ter cuidado com as fontes e nunca abdicar de pôr em causa conceitos e lugares desde que a experiência não os recomendasse. E estudar. Estudar sempre.
Dois textos de Quitério tenho como exemplares. O seu panegírico ao nosso Bacalhau, “Um Adeus Português”, de tal forma impressionante que David Lopes Ramos o  considerava o mais notável texto feito sobre o assunto na nossa língua, tendo-o várias vezes citado ipsis verbis. E o que dedicou aos 50 anos da morte de Manolete, em Agosto de 1997. Ambos publicados no Expresso.

O gosto pela nossa cozinha, pela investigação dos detalhes curiosos a ela associados e por procurar onde  bem comer devo-o a ele. E foi esse interesse, semanalmente espevitado, que permitiu  mais tarde incluir na minha actividade profissional esta faceta nobre da divulgação dos usos e costumes gastronómicos lusitanos.
Foi com o José Quitério que começámos a aventura da divulgação mundial da gastronomia portuguesa através dos selos postais. Portugal foi o primeiro país do mundo (em 1996) a colocar nos selos de correio imagens com os  pratos tradicionais de cozinha, e esse facto a ele se deve. Hoje muitos países nos imitam.

Os CTT Correios de Portugal já emitiram 73 selos e 15 blocos filatélicos dedicados à Gastronomia de Portugal,  com uma tiragem conjunta de mais de 19 milhões de unidades.
E, para além disso, temos 9  livros sobre temas de gastronomia também editados ou no prelo, com tiragens conjuntas de mais de 55 000 exemplares, tendo sido o primeiro “Comer em Português”, de José Quitério, lançado em 1997. E os dois  últimos serão lançados em Abril  e Junho de  2015  -  “Conversas de Café” de Fátima Moura e “A Dieta Mediterrânea” de Fortunato da Câmara.

Presumo que, em termos de quantidade de mensagens que circulam por todo o mundo através dos nossos selos e dos nossos livros bilingues, serão os Correios de Portugal dos mais prolíficos divulgadores dos usos e costumes gastronómicos do nosso país.
E tudo começou pelo Expresso e pelas crónicas do José Quitério.

O fim do ciclo aproxima-se, com o anúncio feito na última edição do Expresso (3 de Janeiro de 2015) sobre a substituição de José Quitério na autoria da crónica semanal de gastronomia , por motivos de saúde. Nesta passagem do testemunho felicito o Expresso pela escolha do substituto , e transmito a Fortunato da Câmara  desejos sinceros de boa fortuna. Saber e Vontade de bem fazer não lhe faltam.
Mas não posso deixar passar a ocasião sem agradecer ao “Zé” por todos estes anos, enviando-lhe desta forma um abraço bem apertado.  

E grande. Tão grande  como só ele foi e ainda é, em todos os sentidos.

Obrigado meu Amigo, por todos estes anos.

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