quinta-feira, janeiro 08, 2015

Bater nos Palhaços

Estava cheio de ganas para fazer hoje, aqui, uma crónica inflamada contra a barbárie passada ontem em Paris.

Mas acho que a malta do Charlie não o desejaria. Se fossem vivos fariam outra capa a gozar com o assunto da carnificina, como era e será (não tenho dúvidas) o timbre da publicação.

Em memória dos 12 de Paris aqui vai a homenagem ao humor e ao direito de gozar com tudo e com todos.

O bobo da corte era bode expiatório dos pecados alheios. Servia de válvula de escape para que o grand seigneur não exercesse intempestivamente a justiça sumária, interpondo entre a ira e o réu algum véu de humor que desmontasse a trama.

O "fou du roi" , o Bouffon medieval, era de dois tipos: o que sofria de doença mental e que fazia rir pela incapacidade, e o que artificialmente "fingia" ser um simples de espírito, fazendo da sua arte o protótipo do "animador profissional" que chegou aos nossos dias revestido de várias farpelas, desde o "clown" (Augusto ou Contra) até aos "compéres".

O bobo seria , na interpretação de Mircea Eliade: "à la fois intelligent et stupide, proche des Dieux par sa ‘primordialité’ et ses pouvoirs, mais plus voisin des hommes par sa faim gloutonne, sa sexualité exorbitante et son amoralisme".
 
Como um Rei (mesmo que o fosse) não podia parecer louco, criou-se a função de "louco do rei" para exorcisar esses fantasmas. Desta forma era usual nas cortes medievais mandar bater no palhaço ou mandar prender o bobo, quando este exorbitava as funções pelo excesso de sátira.
 
Triboulet, talvez o mais famoso dos bobos dessa época (na corte de Francisco I) várias vezes se viu castigado pela imprudência. Dizer mal de um nobre era uma coisa, meter-se com a rainha ou com alguma dama cara a El-Rei seria outra muito diferente, e normalmente dava azo a penitência.
 
Matar o bobo da corte parece que já foi moda antigamente. O Imperador romano Galienus mandou queimar o dele vivo, não se sabe bem porquê..  Mas não gozou muito depois desse acto. Galienus foi por sua vez assassinado pelos seus guarda-costas algum tempo depois...  
 
Mas fora esses percalços, à medida que uma sociedade se apurava mais respeito grangeavam os seus humoristas e "entertainers".
 
Tivemos que esperar muitos anos até que a civilização conseguiu enobreçer a profissão do "faz tudo". Do brincalhão deus  Loki dos mitos escandinavos a Triboulet, e deste a Artur Mendes de Abreu (o grande palhaço Porto, como era conhecido em França) até Oleg Popov, rei dos clowns, ou até  Jon Stewart passaram alguns milhares de anos.
 
Milhares de anos de apuro da raça humana (bem sei que houve percalços pelo meio, mas  a bissectriz foi o caminho para a civilização) honraram o saber fazer sorrir e o  riso como formas superiores de inteligência.
 
Não serão agora uns animais que nunca aprenderam a  rir que vão alterar as coisas...Com um pedido de desculpas aos verdadeiros animais, incapazes destas misérias.
 
Je suis Charlie!

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