Vai chover, mas estará menos frio.
Antecipo um Sábado sem grande trabalho à frente dos tachos, porque as minhas santas querem "ir às compras", o que representa maior responsabilidade para o almoço de Domingo...
Enquanto penso na ementa e ouço a chuva lá em baixo, aqui deixo 3 poemas de meu mestre Eugénio de Andrade, talvez quem melhor traduziu para palavras a melancolia da chuva:
"É quando a chuva cai, é quando
olhado devagar que brilha o corpo.
Para dizê-lo a boca é muito pouco,
era preciso que também as mãos
vissem esse brilho, dele fizessem
não só a música, mas a casa.
Todas as palavras falam desse lume,
sabem à pele dessa luz molhada."
"As primeiras chuvas estavam tão perto
de ser música
de ser música
que esquecemos que o verão acabara:
uma súbita alegria,
súbita e bárbara, subia e coroava
a terra de água,
e deus, que tanto demorara,
ardia no coração da palavra."
"A chuva, outra vez sobre as oliveiras.
Não sei por que voltou esta tarde
Se minha mãe já se foi embora,
Já não vem à varanda para a ver cair,
Já não levanta os olhos da costura
Para perguntar: Ouves?
Oiço, mãe, é outra vez a chuva,
A chuva sobre o teu rosto."
Um comentário:
esses poemas lembraram-me (por alguma razão) este outro, chamado "fotografia da chuva"
bátega
ao deslizar suavemente pelas ruas da cidade
deserta
sentem-se as gotas grossas pipocar no chão espelhado
sentem-se, adivinham-se, mais do que se vêem
como uma massagem feita no lado interior do crânio
cada gota vai subtraindo uma tensão
daí uma calma que não é normal
perturba
— precisamente pelo excesso de calma
anestesia
a vida em câmara lenta
não há destino
não há fim nem da bátega
nem do suave deslizar
não há pressa
nem as nuvens têm pressa de despejar a sua carga
nada vai acabar
a bátega pode durar para sempre
tal como o suave deslizar
pelas espelhadas ruas pipocantes da cidade.
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