quinta-feira, janeiro 15, 2015

Excitações em torno de um "Cozido à Portuguesa"

O assunto conta-se em poucas palavras: Um dos chefs actuais que pontifica no "Tavares" terá ousado fazer uma interpretação do prato tradicional "Cozido à Portuguesa" que foi mal vista ( isto será dizer pouco) por alguns dos mais tradicionais escritores de gastronomia em Portugal.

Reis Torgal, venerável especialista destas matérias, arrasou desde o seu solar Vimaranense: " (...) este prato assim apresentado é o resultado da pascovice portuguesa e da pouca-vergonha dos "chefes" apoiados por uns média ignorantes ou vendidos".

Na blogosfera houve ainda quem lhe chamasse "Caganitas de Gourmet", com algum exagero...

Bento dos Santos, outro grande especialista, pôe água na fervura e , declarando-se defensor intransigente da matriz do que se considera cozinha tradicional portuguesa, não deixa de acrescentar:
 
"Porém, uma vez que a mudança e o progresso são inexoráveis, só vejo na possibilidade da modernização de tais receitas a garantia da manutenção da memória coletiva dessa "matriz do gosto" que afinal todos gostaríamos de preservar".
 
O politicamente correcto perante esta matéria parece então ser qualquer coisa como:
 
Preservar o "GOSTO", manter as características dos pratos antigos, defender a tradição, mas...não deixar de "autorizar" a experiência e a inovação da malta jovem, prendada que baste.
 
Por mim concordo, obviamente,  mas sou talvez um pouco mais prático:
 
Se algum portuga for ao Tavares ( ou ao Bel Canto, etc...) comer um cozido à portuguesa, só merece que lhe saia no prato uma coisa daquelas.
 
Só peço uma coisa: não lhe chamem "Cozido à Portuguesa"!! Falem de "Variações sobre um Cozido"... Ou ainda de "Cozido: Interpretação do Chef".
 
E quem lá for talvez goste! Pois se foi lá tem ideia do que se passa portas adentro, da filosofia da casa e de que forma é que o "mestre cuca" interpreta a "pauta" da música. 
 
Já agora, quanto custará o tal "cozido" no Tavares? Parece que em redor de 30 euros. Esta é outra subtil  (assim-assim) forma de seleccionar a clientela. O Zé dos Pneus teria a tendência de enviar aos c*** do chef este cozido "impressionista", enquanto que Madame Nouvelle Riche se extasiaria com a "ousadia do jovem génio culinário"...
 
Agora, se fosse na Tia Matilde que tal coisa saísse da cozinha? Pôrra Santinhos do Céu!! Mandávamos logo vir a ambulância para internar o Ti Emílio (com todo o respeito!!).
 
Cada macaco no seu galho! O Zé Avillez no BelCanto e a Srª Dona Graça no Solar dos Presuntos.
 
Poderá o "Arroz de Lampreia" vir a ser interpretado "à moderna"? Porque não? O resultado visual não me parece ( assim à distância) que seja o melhor do mundo, mas quem sou eu?
 
Não lhe chamem é "Arroz de Lampreia" assim taxativamente. Arranjem uma alcunha diferente.
 
Viva a diversidade ! Viva a autenticidade! Todos diferentes mas todos iguais.
 
Mas cuidado! Trazer um estrangeiro "de fora" aqui ao cantinho pátrio, querer mostrar-lhe a gastronomia lusitana e levá-lo a comer uma das tais "interpretações post-modernas" do Cozido? 
 
Eu não iria por aí. Primeiro, o Cozido canónico. Depois, a modernidade. Até para dar à criatura oportunidade de fazer o seu próprio discernimento.
 
E se o dinheiro não der para tudo isso? Então escolha-se a Tia Matilde (por exemplo). Pelo menos vai melhor alimentado e mais bem servido. O que, para os tempos que correm, não é dizer pouco!
 
 

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