quinta-feira, novembro 15, 2012

Antecipação

Amanhã vou lançar o Postal Inteiro comemorativo dos 150 Anos da  publicação do "Amor de Perdição" , a S. Miguel de Seide , e não passarei por aqui. Vou num pé e venho no outro, para não ter que passar qualquer noite fora de casa atendendo às circunstâncias...

Por isso aqui deixo antecipadamente o habitual poema das "sextas".

De Mestre Almada aqui vai uma incursão (notável!!) no campo da fantasia mística, à moda do também grande Lima de Freitas noutra expressão artística. Este sim, o pintor por excelência de todas as fantasias e excentricidades.

Ambos foram - digo-o com muita honra - artistas que trabalharam para os CTT, fazendo originais de selos vários.

  Sèvres Partido

A amazona negra era bella como o sol e triste como o luar,
e ninguem acredita mas era pastora de galgas.
Figura negra muito esguia,
cypreste procurando vaga na margem do caminho.

Nas manhãs de Outomno, frias como os degraus do tanque,

 era Ella quem largava às galgas a lebre cinzenta,
e a que a filásse já sabia com quem dormia a sésta.
E as galgas já nem dormiam bem noutra almofada.

Sobre a relva, na sombra arrendilhada

das folhas amarellecidas dos plátanos
onde os repuxos do tanque cuspiam lagryrnas de vidro,
a Amazona negra sonhava o seu Principe encantado
e a galga do dia dormia quieta,
estendido o focinho no ventre d'Ella.

Uma manhã mais turva as galgas todas voltaram tristes,

de focinhos pendidos - e nenhuma para dormir a sésta!

Uma flauta triste vinha de viagem pelo caminho;

 chorava de seguida imensas canções de choros
e tinha acompanhamentos funéreos de guisalhádas surdas.

Callou-se a flauta, um cypreste distante gemia baixinho

 as dôres da tatuagem que lhe iam abrindo no peito.
O pastor lembrava ali o nome do seu Bem.

Pendia-lhe da cinta uma lebre cinzenta e a funda torcida.
As galgas como settas deixaram nú o caminho. E as guisalhadas...

Almada Negreiros, in 'Frisos - Revista Orpheu nº1'




Nota: Pintura "O Istmo" de mestre Lima de Freitas

"O Istmo - tela de Lima de Freitas -, assegura a máxima alquímica: o que está em baixo é como o que está em cima… Terra e Céu e Céu e Terra. O istmo do mundo Imaginal faz a mediação entre o mundo material e o mundo espiritual, entre o inteligível e o sensível, entre o imaginário e o simbólico. Está de acordo com o objectivo da Obra alquímica: (re)ligar Céu e Terra, espírito e matéria, por outras palavras, “materializar o espírito” e “espiritualizar a matéria”.

Trecho retirado de: ELEMENTOS ALQUÍMICOS (2)                                            Raquel Gonçalves (Departamento de Química, Faculdade de   Ciências, Universidade de Lisboa)

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