Ainda estou com os olhos cheios de estrelinhas com o sucesso do lançamento do Livro das Catedrais, na Guarda.
Na "homilia" que dedicou à apresentação do livro, D, Manuel Felício (aliás, tal como o autor, Arqº Saraiva) não deixaram de lembrar aqueles operários sem nome que durante séculos deram corpo a estas obras de muitos saberes e de longuíssimas gestações.
No caso particular da catedral da Guarda atual - que é da terceira geração e filha da revolução de 1383 - terá começado a ser erguida em 1390, para apenas estar concluída lá para o final de 1550. Mas outras houve cujo processo de construção demorou mais do que estes 2 séculos.
Ao longo desses anos muitos trabalharam, mas algum mestre terá desenvolvido o plano , o "risco" do grande edifício. E como? Com que sabedorias?
Nesta matéria existem duas opiniões: a daqueles que acreditam existir já sabedoria técnica e científica nestas obras, ou, a mais divulgada e aceite nos meios da engenharia, segundo a qual tudo se faria como se se tratasse de uma receita transcrita em livro de cozinha: sempre igual.
Reparem aqui na afirmação de um dos maiores especialistas sobre as técnicas de construção medievais, J.E. GORDON, “Structures or Why Things Don’t Fall Down":
Estes edifícios das catedrais não só eram muito grandes e muito altos; alguns pareciam transcender a tosca e pesada natureza dos seus materiais de construção e elevá-la à categoria de arte e de poesia. Perante isto parece óbvio que os mestres medievais sabiam muito sobre como construir igrejas e catedrais e por isso muitas vezes o fizeram de forma excelente e altamente satisfatória. Contudo, se tivessem a oportunidade de perguntar a um mestre como o fez realmente e porque resiste o edifício, a resposta seria algo como esta: - O edifício resiste graças às mãos de Deus. Sempre que construímos, seguimos fielmente as regras e segredos tradicionais do nosso ofício.”
E aqui apresento o contraditório, da pena do Engº Adriano Vasco Rodrigues, sobre o Mosteiro da Batalha:
“A edificação da igreja do Claustro, Casa do Capítulo, Capela do Fundador e começo do panteão de D. Duarte realizados ao longo de 50 anos, corresponde ao gótico joanino, devendo-se a orientação e planificação a Mestre Afonso Domingues (1388/1402), verdadeiro engenheiro pelo conhecimento matemático e físico com que resolveu o problema das estruturas da abóbada da igreja, obra-prima da Engenharia medieval.”
Perante estas diferenças compete-nos a nós, que não somos especialistas, admirar o que se conseguiu naqueles tempos à força de dedicação e empirismo esclarecido. Com pouca ciência talvez, mas com muita arte à mistura.
Havia necessidade de mão-de-obra profissional. Esses eram pagos. Mas em grande parte os serviços mais pesados e incaracterísticos eram executados por trabalhadores voluntários movidos pela fé. E eram nobres, comerciantes, soldados, mestres-artesãos, povo simples das cidades e dos campos mais próximos.
E o dinheiro? Aparecia sempre. Podia demorar a chegar, o que também explicava o arrastar dos trabalhos, mas os próprios monarcas pagavam primeiro para dar o exemplo, e atrás deles seguia a sociedade civil.
Contudo trago à memória a conhecida frase do Bispo de Chartres, segundo o qual a catedral - paradigma da arte gótica - foi construída com o "dinheiro dos pobres"... Devia estar ofendido com os nobres e com o Rei Luís IX...Que não era um "Luís" qualquer, mas sim o que foi posteriormente canonizado com o nome de São Luís.
Nota: Vitrais de Chartres na imagem.
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