sexta-feira, janeiro 30, 2015

Para Descansar a Vista

É sexta feira e antes de ir buscar ao hotel o meu colega dos correios franceses  - Temos hoje uma reunião de trabalho ( a pedido dele)  com o Director do mercado filatélico e da impressão  da La Poste -  aqui venho deixar o habitual poema antecipador do fim de semana.

Vai chover, mas estará menos frio.

Antecipo um Sábado sem grande trabalho à frente dos tachos, porque as minhas santas querem "ir às compras", o que representa maior responsabilidade para o almoço de Domingo...

Enquanto penso na ementa e ouço a chuva lá em baixo, aqui deixo 3 poemas de meu mestre Eugénio de Andrade, talvez quem melhor  traduziu para palavras a melancolia da chuva:

"É quando a chuva cai, é quando
olhado devagar que brilha o corpo.
Para dizê-lo a boca é muito pouco,
era preciso que também as mãos
vissem esse brilho, dele fizessem
não só a música, mas a casa.
Todas as palavras falam desse lume,
sabem à pele dessa luz molhada."
 
"As primeiras chuvas estavam tão perto
de ser música
que esquecemos que o verão acabara:
uma súbita alegria,
súbita e bárbara, subia e coroava
a terra de água,
e deus, que tanto demorara,
ardia no coração da palavra."
 
"A chuva, outra vez sobre as oliveiras.
Não sei por que voltou esta tarde
Se minha mãe já se foi embora,
Já não vem à varanda para a ver cair,
Já não levanta os olhos da costura
Para perguntar: Ouves?
Oiço, mãe, é outra vez a chuva,
A chuva sobre o teu rosto."
 

 
 

quinta-feira, janeiro 29, 2015

A Barba do Faraó

Não sei se têm estado a acompanhar um dos assuntos mais interessantes dos últimos dias? O caso da barba do velho Tutankamon?

A "coisa" conta-se em poucas palavras. A múmia mais famosa do mundo encontra-se no Museu Egípcio do Cairo, a cargo do poderoso departamento de antiguidades egípcias, que se designa adequadamente por Conselho Supremo das Antiguidades Egípcias.

O único Director deste "Supremo" que eu conheci  não era pessoa para se encontrar numa noite escura...Nem de dia, quanto mais de noite!

 Consta no Cairo que até o "faraó"  dos tempos modernos, o Sr. Mubarak, apesar do poder absoluto, tinha alguma "calma" quando lidava com a tal criatura.   Trata-se do  Egiptólogo Zahi Hawass, demitido em 2011 por "proximidade a Housni Mubarak", mas logo depois readmitido devido à greve das múmias de todo o mundo, que o idolatravam. O Homem ia buscar múmias à cabeça de um tinhoso e guardava-as ferozmente.

Tive o "prazer" de trocar algumas mensagens com ele quando lhe pedi autorização para reproduzir a pirâmide do amigo Kéops em selo (para as Maravilhas do Mundo, uma sinecura que nos impuseram).
Membro da classe alta egípcia, o Director do Supremo Conselho das  Antiguidades não me mandou catar piolhos em mandris, mas a resposta, dada de forma educada,  tinha o mesmo sentido...

Mas divago. Voltemos à vaca, digo, à barba.

O jovem Tut (quando morreu era adolescente) foi enterrado com  a mais impressionante colecção de objectos da época que chegou aos nossos dias. Tal era a profusão e o valor dos objectos enterrados com aquele rei adolescente, e sem ainda ter feito história que se visse, que muitos egiptólogos se interrogaram como seria se o túmulo do grande Ramses II tivesse chegado aos nossos dias sem ter sido profanado...

Por entre os ditos objectos sobressai a máscara funerária do sarcófago real, em ouro e madeira pintada a dourado e azul. Essa máscara tem barba.

A barba é cerimonial, todos os sarcófagos que chegaram aos nossos dias tinham a dita cuja, mesmo que o faraó em causa fosse mulher. Era uma indicação de  nascimento nobre e de ligação aos deuses. Um sinal de classe real.

Pois bem, um destes dias, durante a noite, estava a malta do museu egípcio do Cairo a fazer a manutenção do sarcófago do amigo Tut quando, inadvertidamente, deixaram cair ao chão a máscara e ...partiram a barba do faraó.

À rasca  -  é o termo, aqui sinónimo de transidos de medo do velho Zahi Hawass, que apesar de se ter reformado parece que percorre de noite os corredores do "seu" Museu à procura de ladrões (coitados) -  os operários basaram do local , deixando à desgraçada da Conservadora Chefe do Museu a tarefa de resolver o assunto.

A Srª Conservadora  Alham Abdelrahman, na iminência de lhe dar uma (ou duas) coisinhas más logo ali no local, lembrou-se de um estratagema: colar a barba ao queixo do Tut com um tubinho de cola tudo.

Descoberta a tramóia ( a cola epóxica deixou na barba do faraó uma cor esquisita que seria prenúncio de higiene deficiente se o gajo fosse vivo) a ira do Zahi "y sus descendientes" abateu-se sobre a pobre da Conservadora.

Na impossibilidade prática de a enterrarem viva ( que era a proposta inicial, muito à moda dos procedimentos semelhantes ali no burgo em 2800A.C.) foi imediatamente afastada das funções  e cometida a "Conservar" o real museu das carroças e carros de bois dos faraós, onde a utilização de cola moderna nos eixos das rodas  não dará tanto nas vistas...

Moral da História:   Entre pentear a  barba do faraó e dar serventia às bestas dista apenas um tubo de cola...Dos pequenos...

quarta-feira, janeiro 28, 2015

Ansiedades Enológicas


No âmbito da minha vida profissional bastas vezes tenho de lidar com gente que sabe muito mais do que eu.

De quê? (perguntarão os leitores).

Pois de tudo, ou de quase tudo. Se almoço com o Prof. Fabião sou esmagado pela densidade do seu conhecimento arqueológico. Se janto com o Prof. Contente Domingues, lá levo um baile transcendente de história dos descobrimentos e seus navios, se me encontro ao final da tarde para falar com o Prof. Mário Ruivo, a "banhada" é certa  em tudo o que diz respeito ao mar e às ciências do mar...

Para já não falar das tertúlias "da comilagem" onde entra o Zé , a  Fátima, a Dª Maria de Lurdes, o Engº Bento dos Santos  ou o amigo Fortunato, e onde a sabedoria conjunta à mesa sobre gastronomia é tanta que o pobre mortal anseia ser parente do Sponge Bob, para poder absorver tudo o que ali se diz...

Hoje tenho um dilema parecido, uma vez que,  já em trabalhos preparatórios de mais um livro temático sobre "Vinhas Velhas de Portugal" , levo a almoçar um dos melhores críticos de vinhos do país e uma fotógrafa especializada na mesma matéria . Ambos, repito, são do melhor que existe aqui no burgo nesta matéria.

E que vinhos lhes vou dar a beber??
O meu amigo Paulo Mendonça  do Beira Mar (galinholas de cair para o lado, ainda "lambo os bêços") tem às vezes pela frente este dilema, quando lhe entra pela casa dentro o Sr. Bernd Philippi, wine maker "extraordinaire" tanto em França, como na Alemanha, Espanha, Portugal , África do Sul, etc... com o seu amigo Werner Näkel, outro que tal. São daquelas pessoas que adivinham o ano do  Porto Vintage e apostam por fora. Em Portugal a marca que fizeram e engrandeceram foi a Campo Ardosa do Douro.

Sabem de vinhos ( e do mercado de vinhos) mais eles sozinhos do que a troupe circense inteira do Sr. Parker....

O Paulo normalmente dá-lhes Alvarinhos envelhecidos, com 6 anos ou mais, e Mouchão dos anos 70.

 E os bons alemães (porque o são, magníficos!) gostam...

Mas eu, hoje, com gente aqui criada no rectângulo não poderei resolver o problema dessa maneira elegante...

Vou ao meu "maluco encartado" almoçar, porque é o local onde a iconoclastia enológica se pode observar na sua forma mais delirante (Horta dos Brunos) e logo veremos o que o Pedro nos há-de pôr na mesa...

Uma coisa é certa: seja o que for , "eles" já o devem ter provado...

terça-feira, janeiro 27, 2015

A Brisa do Syriza


O rame-rame da burocracia europeia sofreu um pequeno impacto com a vitória do Syriza nas eleições gregas.

À Chanceler y sus muchachos não terá passado despercebido que o novo senhor grego que têm de acolher em suas casas começou a vida pública por deixar umas flores no túmulo dos gregos mortos pelos alemães (nazis)...

Fora a idiosincrisia do pescoço ao léu (que nos recorda  Francisco Louçã), Alexis Tsipras é uma figura politicamente atraente. Novo, magro, bem falante. Um "Passsos Coelho" antes do banho de boutique e de boas maneiras a que foi sujeito.

O problema vai ser (já é) quando abrir a boca...Será para dizer o quê? E quando o fará?

Está meio mundo (aquele que nos interessa) pendurado no que vai dizer o mestre da banda do lado de lá, numa expectativa que será meio jocosa, meio receosa, consoante a "religião" praticada...

Eu devo dizer que me dá um certo gozo antecipar o que se irá passar. Dançará Alexis com o diabo (de saias)? Ou vai mandar o diabo para o Inferno?

Nota: No Decameron de Bocaccio "pôr o diabo no inferno" tinha toda uma outra conotação, como devem estar lembrados. Mas lá estou a resvalar para a ordinarice...

E - nos intervalos dessa  cadenciada "sirtaki" -  como resolve os pequenos detalhes das pensões e vencimentos da função pública? E do sustento da Segurança Social?

Uma coisa é certa: os tempos futuros vão ser interessantes. E mais animados do que se esperaria para uma senhora tão avançada em ideias feitas,  empertigada e espartilhada à força, como é a velha Europa.

Abra-se a janela para entrar esta brisa doce.

segunda-feira, janeiro 26, 2015

Plano de Emissões de Selos de 2015

A tutela dos CTT aprovou o Plano de Emissões para este ano:

 Plano de Emissões Filatélicas para 2015 

a)    6 Vultos da História e da Cultura da Língua Portuguesa

- Bocage (250 Anos do Nascimento)
- Vieira Portuense (250 Anos do Nascimento) 
- Ruy Cinnati (100 Anos do Nascimento)
- Ramalho Ortigão (100 Anos da morte)
- Arquitecto Frederico George (100 Anos do Nascimento)
- Arquitecto  Agostinho Ricca (100 Anos do Nascimento) 

 
b)    Datas da História Nacional (7 emissões)

- 600 Anos da Entrada dos Portugueses em Ceuta
- A presença portuguesa no mundo: 650 anos do nascimento
de Tomé Pires; 500 Anos da Chegada dos Portugueses a Timor.
- 500 Anos da Torre de Belém
- 150 Anos da Questão Coimbrã “Bom Senso e Bom Gosto”
- 100 Anos da Revista Orpheu 
- 25 Anos da AICEP - Associação Internacional das
Comunicações de Expressão Portuguesa
- 40 Anos da Instituição do Provedor de Justiça

c)    Emissões Temáticas (10 emissões)

- As Tapeçarias de Portalegre 2ª Série (tem livro associado)
- A Dieta Mediterrânica (tem livro associado) 
- O Mar Português (tem livro associado)
- O Caminho Português de Santiago de Compostela 
- Bonecos de Barro tradicionais das regiões de Portugal
- A Fruta Portuguesa Certificada - 1ª Série 
- 150 Anos da CUF
- A Mobilidade Sustentável como garante de preocupações ecológicas
- Grandes Músicos do Mundo: Sibelius (150 anos do nascimento) e Elizabeth Swarzkopfe (100 anos do nascimento).
- A Dança Clássica em Portugal
 

d)    Projecção Internacional (2 Emissões)

- Grandes Figuras da Igreja - Santa Teresa de Ávila
(500 anos do Nascimento) e São João Bosco
(200 anos do Nascimento)
- 150 Anos da Descoberta das leis da Hereditariedade  

e)    Emissões Conjuntas (1 Emissão)

- Emissão Conjunta de Portugal com a República da Bulgária
(tema a desenvolver).


f)     Emissão de Temática AÇORES


g)    Emissão de Temática MADEIRA
 

h)    Emissões Protocoladas

- EUROPA 2015 (tema: brinquedos antigos)


i)      Etiquetas de MAV’s (2 Emissões)

 - Ano Internacional dos Solos e Ano Internacional da Luz
e das Tecnologias baseadas na Luz. (ONU)

- 50 Anos do Plano Nacional de Vacinação em Portugal

 
j)      Emissão Base - Desportos Radicais 3ª Série

Rafting (descida de rios e rápidos em barco insuflável),
Kite Surf (prancha com asa semelhante a um pára-quedas),
BMX (acrobacias com bicicletas), Escalada Desportiva (em montanha)
e Wingsuit (queda livre com fato alado).

sexta-feira, janeiro 23, 2015

Para descansar a Vista

Na manhã da Bazukada do Signori Dragghi andei à procura de poemas que nos falem de esperança.

Notando que dos portugueses já aqui citei vários, e tendo em atenção que a bazukada deve ser pan-europeia, deixei-me "apanhar" (mais uma vez) por meu mestre Paul Verlaine.

Aqui vos deixo um soneto magnífico de 1881:

L’espoir luit comme…

L’espoir luit comme un brin de paille dans l’étable.
Que crains-tu de la guêpe ivre de son vol fou ?
Vois, le soleil toujours poudroie à quelque trou.
Que ne t’endormais-tu, le coude sur la table ?


Pauvre âme pâle, au moins cette eau du puits glacé,
Bois-la. Puis dors après. Allons, tu vois, je reste,
Et je dorloterai les rêves de ta sieste,
Et tu chantonneras comme un enfant bercé.


Midi sonne. De grâce, éloignez-vous, madame.
Il dort. C’est étonnant comme les pas de femme
Résonnent au cerveau des pauvres malheureux.


Midi sonne. J’ai fait arroser dans la chambre.
Va, dors ! L’espoir luit comme un caillou dans un creux.
Ah ! quand refleuriront les roses de septembre !


Paul Verlaine, Sagesse (1881)

quinta-feira, janeiro 22, 2015

A Cultura da Gastronomia

Zé Quitério é o Prémio Universidade de Coimbra de 2015.

Que bem me soube a notícia! 

Mas antes que algum desordeiro ponha em causa esta atribuição, argumentando com  a definição do eventual destinatário regulamentar do Prémio, ataco já eu aqui primeiro, com base na sempre recordada táctica do falecido Bella Gutman.

Nota: "Destinatário do Prémio Universidade de Coimbra: personalidade de nacionalidade portuguesa que se tenha distinguido por uma intervenção particularmente relevante e inovadora nas áreas da cultura ou da ciência."

Gastronomia não é cultura nem ciência??   Estariam em desacordo grandes personalidades desta ( e doutras) terras.

E nem precisamos de chegar à complexidade das actuais obras de referência sobre estes assuntos. Recordo que o livro de texto actualmente mais falado sobre estas matérias é o "Modernist Cuisine" de Nathan Myhrvold. 

http://modernistcuisine.com/

Myhrvold era Chief Technology Officer na Microsoft. Tem doutoramentos em Física Teórica e Prática, possui ainda um Master em Matemática aplicada à Economia. Para além disto tudo é gestor de uma das mais bem sucedidas empresas do mundo de patentes científicas e industriais, a Intelectual Ventures, e é um constante colaborador em revistas de Vida Animal e Meio-Ambiente, como fotógrafo, com trabalho diversas vezes premiado...

E ainda (não nos esqueçamos) é um cozinheiro amador e co-autor do tal livro que é considerado o "must have" de toda a gente que se interessa por gastronomia hoje em dia.

Vão lá dizer-lhe que Gastronomia não é Ciência nem Cultura...

Um bom Químico saberá explicar o porquê das temperaturas de cocção mais adequadas, ou a reacção da matéria-prima ao tempero, ou ainda como o bater um bife com maço se destina a quebrar a molécula alongada da carne dos bois de trabalho. E mais, que existem hoje em dia enzimas que cumprem a tarefa do malho de pontas sem danificar a textura da carne... E muito mais ainda...

Qualquer historiador, antropólogo ou sociólogo nos dirá que o conhecimento da dieta alimentar dos povos é fundamental para a compreensão da respectiva sociedade. A análise das origens dos pratos tradicionais leva-nos por uma avenida de investigação sobre a miscigenação de culturas que foi amplamente percorrida pelo (também) antropólogo Alfredo Saramago, por José Pedro de Lima-Reis, por Fortunato da Câmara, etc, etc...

Camilo José Cela, o grande galego prémio Nobel , gastrónomo e autor de "La familia de Pascual Duarte" porventura a obra literária espanhola mais editada de sempre, depois do D. Quixote, dá nome a uma universidade de Madrid. Nessa Universidade existe a Cátedra Ferran Adrià de Cultura Gastronómica e de Ciências da Alimentação: " La Cátedra tiene como objetivo esencial acercar el mundo de la gastronomía al ámbito educativo, promoviendo el estudio y la investigación de las Ciencias de la Alimentación a nivel superior."

E os exemplos poderiam repetir-se até à exaustão.

Gastronomia é Cultura. Gastronomia é Ciência!

E José Quitério fica muito bem ao lado dos anteriores vencedores do Prémio Universidade de Coimbra, como António Sampaio da Nóvoa, João Luis Ramos, António Pinho Vargas, Maria de Sousa e Fernando Lopes da Silva.

Eis a justificação oficial: "A inegável qualidade e consistência do percurso profissional de José Quitério" e o contributo que, através dos seus escritos, durante décadas, tem dado nos planos "cultural, histórico, sociológico, etnográfico" e até, de forma indirecta, económico, para "a qualificação da sociedade portuguesa".

Boa malha Universidade de Coimbra! E lá estaremos para ver e aplaudir.

 

quarta-feira, janeiro 21, 2015

A Idade do Frio chega a todos...

A série de desenhos animados "Ice Age" tem sido uma das coisas mais bem conseguidas da industria cinematográfica do género.  Já vai no 4º episódio ( A Deriva Continental) e nunca deixo de me rir com o maluco do esquilo dentes de sabre sempre atrás da bolota num mundo paralelo ao do enredo, sem palavras, que faz uma homenagem ao grande clássico de Chuck Jones "Road Runner"  (1949)com o desgraçado do coiote sempre atrás do papa-léguas , sem que nenhum deles pronunciasse uma palavra.

Mas o tema do Post hoje não é a animação de qualidade. Trata-se do estuporado frio que parece estar de férias aqui no rectângulo e incomoda a malta de uma certa idade.
Na maioria dos casos "certa" é um eufemismo para "avançada".

Mas neste caso concreto veremos que não é assim.

Não deve causar admiração que as minhas santas sofram com o frio. No fim de contas já todas andam há anos a percorrer a casa dos 80's.  As duas cá de baixo usam vestuário técnico (polar) por baixo das camisolas de lã clássicas. A lá de cima, onde tarda em chegar a revolução estética, anda com as antigas mantas de lã preta cardadas por cima dos ombros. A única vantagem da velha manta de lã é que num aperto pode comparar-se ao "sombreiro" dos pastores alentejanos: protege da chuva, embora não caibam lá debaixo 5 ou 6 ovelhas. E também não serve para dar umas porradas no c*** do carneiro. Mas fora isso é quase igual.

Numa destas manhã de "griso" feroz fui buscar o meu Amigo Zé a casa e deixei-o espantado por ter ido esperá-lo à porta apenas de mangas de camisa. Esclareci que eu era feito à medida da raça das focas e elefantes marinhos, pelo que a camada de gordura que existia entre a pele e o resto era suficiente para isolar a besta. O Zé concordou e disse que também ele já tinha sido assim, mas que agora, no dealbar dos 70's , até tinha aderido à roupa interior... (De cima, está claro! Não quero que pensem na ausência da de baixo!!).

Eu que, salvo casos especiais que tiveram a ver com grandes bezanas e noites de verão na praia, também sempre usei cueca, nunca meti pela cabeça uma camisola interior.

Mas depois do agravamento da rinite alérgica e farto de estar sempre a tomar anti-histamínicos para poder dormir, compreendi que tinha que passar a considerar essa situação. A adesão à "camisola interior" começou a ser uma possibilidade.  Não tarda muito ainda me verão a usar luvas...

A idade é lixada...

terça-feira, janeiro 20, 2015

O "Outro Lado"

Tenho passado parte das noites a ver de empreitada uma série chamada "Dead Like me" que passou em 2003 e 2004 na TV americana em apenas duas temporadas, provavelmente por ser demasiado "intelectual" para o prime time dos pequenos burgueses que mandam nos ratings.

Podem ler mais aqui sobre a série em causa: http://www.imdb.com/title/tt0348913/

Um miúda de 18 anos morre subitamente porque lhe cai em cima da cabeça um tampo de sanita da estação espacial MIR, que se estava a desintegrar no espaço. Esse "bocado" veio parar mesmo em cima da dita miúda.

Convenhamos que haverá formas mais normais de morrer, mesmo com apenas 18 anos...

Em vez de continuar o percurso para o "outro lado", a protagonista é recrutada para uma unidade especial de mortos-vivos que tem por função "recolher almas". Na prática o que eles fazem é estar presentes na altura da morte e dar algum consolo aos falecidos antes de estes partirem não se sabe bem para onde...

A série parece-me admirável pela qualidade dos argumentos e dos textos, mas também pela participação de grandes actores em episódios como artistas convidados, normalmente a fazerem a "parte" do morto.
Dead Like Me: Life After Death (2009) Poster
Nesta interessante reflexão sobre o "grande mistério" que se prolonga por todos os episódios, existem sempre facetas de muito humor  que se cruzam com outras mais dramáticos.

Lembro-me, por exemplo, do grande actor Shelley Berman (teria 80 anos na altura) , que neste episódio  (IV, Temporada 2) morre numa piscina a saltar da prancha. Depois disso passeia nu pela cidade arvorando uns "meninos" de tamanho para recorde mundial, ao lado do seu "anjo da morte" , e insistindo que antes de "partir" queria por força assistir ao seu enterro, para ver quem iria e o que diriam dele... E o anjo da morte encartado para o levar embora a correr atrás dele, com uma toalha na mão para o tapar, embora ninguém o possa ver .

O grupo destes anjos meio esquisitos reune-se todas as manhãs num café tirolês (!) de Chicago, para que o "chefe" distribua as tarefas do dia. Os mortos a recolher. O que não impede que antes , durante ou depois da recolha, tenham que trabalhar como os comuns dos mortais para ganhar a vida (mesmo estando mortos)...

É uma série de humor negro muito engraçada e feita com muita inteligência.
Recomendável.

Veio depois um filme, que ainda não tive ocasião de "puxar" da Net. Chamava-se Dead Like Me : Life After Death  e era de 2009.

http://www.imdb.com/title/tt1079444/

sexta-feira, janeiro 16, 2015

Para Descansar a Vista

Foi O'Neil que, na minha opinião, escreveu o mais belo poema em português sobre a Amizade. Mas já aqui o citei. E mais do que uma vez, porque muito o aprecio.

Variemos então um pouco em torno da Amizade  com algumas outras jóias da nossa poesia:

Para Um Amigo

Para um amigo tenho sempre um relógio
esquecido em qualquer fundo de algibeira.
Mas esse relógio não marca o tempo inútil.
São restos de tabaco e de ternura rápida.
É um arco-íris de sombra, quente e trémulo.
É um copo de vinho com o meu sangue e o sol.

António Ramos Rosa, in "Viagem Através de uma Nebulosa"


Os Amigos

Os amigos amei
despido de ternura
fatigada;
uns iam, outros vinham,
a nenhum perguntava
porque partia,
porque ficava;
era pouco o que tinha,
pouco o que dava,
mas também só queria
partilhar
a sede de alegria —
por mais amarga.

Eugénio de Andrade, in "Coração do Dia"


Bilhete a um Amigo

Lembrar teus carinhos induz
a ter existido um pomar
intangíveis laranjas de luz
laranjas que apetece roubar.

Teu luar de ontem na cintura
é ainda o vestido que trago
seda imaterial seda pura
de criança afogada no lago.

Os motores que entre nós aceleram
os vazios comboios do sonho
das mulheres que estão à espera
são o único luto que ponho.

Natália Correia, in "O Vinho e a Lira"


 


quinta-feira, janeiro 15, 2015

Excitações em torno de um "Cozido à Portuguesa"

O assunto conta-se em poucas palavras: Um dos chefs actuais que pontifica no "Tavares" terá ousado fazer uma interpretação do prato tradicional "Cozido à Portuguesa" que foi mal vista ( isto será dizer pouco) por alguns dos mais tradicionais escritores de gastronomia em Portugal.

Reis Torgal, venerável especialista destas matérias, arrasou desde o seu solar Vimaranense: " (...) este prato assim apresentado é o resultado da pascovice portuguesa e da pouca-vergonha dos "chefes" apoiados por uns média ignorantes ou vendidos".

Na blogosfera houve ainda quem lhe chamasse "Caganitas de Gourmet", com algum exagero...

Bento dos Santos, outro grande especialista, pôe água na fervura e , declarando-se defensor intransigente da matriz do que se considera cozinha tradicional portuguesa, não deixa de acrescentar:
 
"Porém, uma vez que a mudança e o progresso são inexoráveis, só vejo na possibilidade da modernização de tais receitas a garantia da manutenção da memória coletiva dessa "matriz do gosto" que afinal todos gostaríamos de preservar".
 
O politicamente correcto perante esta matéria parece então ser qualquer coisa como:
 
Preservar o "GOSTO", manter as características dos pratos antigos, defender a tradição, mas...não deixar de "autorizar" a experiência e a inovação da malta jovem, prendada que baste.
 
Por mim concordo, obviamente,  mas sou talvez um pouco mais prático:
 
Se algum portuga for ao Tavares ( ou ao Bel Canto, etc...) comer um cozido à portuguesa, só merece que lhe saia no prato uma coisa daquelas.
 
Só peço uma coisa: não lhe chamem "Cozido à Portuguesa"!! Falem de "Variações sobre um Cozido"... Ou ainda de "Cozido: Interpretação do Chef".
 
E quem lá for talvez goste! Pois se foi lá tem ideia do que se passa portas adentro, da filosofia da casa e de que forma é que o "mestre cuca" interpreta a "pauta" da música. 
 
Já agora, quanto custará o tal "cozido" no Tavares? Parece que em redor de 30 euros. Esta é outra subtil  (assim-assim) forma de seleccionar a clientela. O Zé dos Pneus teria a tendência de enviar aos c*** do chef este cozido "impressionista", enquanto que Madame Nouvelle Riche se extasiaria com a "ousadia do jovem génio culinário"...
 
Agora, se fosse na Tia Matilde que tal coisa saísse da cozinha? Pôrra Santinhos do Céu!! Mandávamos logo vir a ambulância para internar o Ti Emílio (com todo o respeito!!).
 
Cada macaco no seu galho! O Zé Avillez no BelCanto e a Srª Dona Graça no Solar dos Presuntos.
 
Poderá o "Arroz de Lampreia" vir a ser interpretado "à moderna"? Porque não? O resultado visual não me parece ( assim à distância) que seja o melhor do mundo, mas quem sou eu?
 
Não lhe chamem é "Arroz de Lampreia" assim taxativamente. Arranjem uma alcunha diferente.
 
Viva a diversidade ! Viva a autenticidade! Todos diferentes mas todos iguais.
 
Mas cuidado! Trazer um estrangeiro "de fora" aqui ao cantinho pátrio, querer mostrar-lhe a gastronomia lusitana e levá-lo a comer uma das tais "interpretações post-modernas" do Cozido? 
 
Eu não iria por aí. Primeiro, o Cozido canónico. Depois, a modernidade. Até para dar à criatura oportunidade de fazer o seu próprio discernimento.
 
E se o dinheiro não der para tudo isso? Então escolha-se a Tia Matilde (por exemplo). Pelo menos vai melhor alimentado e mais bem servido. O que, para os tempos que correm, não é dizer pouco!
 
 

terça-feira, janeiro 13, 2015

A "bola" comanda o mundo

Todos gostámos que o CR7 fosse vencedor da noite de ontem.

Isso não está em causa e até eu (benfiquista que ainda se lembra do "dedinho no ar" do atleta no estádio da Luz) fiquei satisfeiro.

Agora, gastar cerca de 7 horas de emissão em três canais, durante toda a tarde de ontem,  apenas com esta notícia?  Melhor dito, ainda nem era "a" notícia da Bola de Ouro, apenas a "preparação" do mesmo acto??!!

Só eu é que penso que foi demais?  Terá o futebol assim tanta importância nesta terra que cala tudo o resto? E isso transforma-nos em quê?

"Saloios" da redondinha?  "Drogados" da relva? "Provincianos" dos estádios?

É de meter medo a quem reflectir sobre o que andámos a fazer todos estes anos. A evolução da cena  salazarista dos 3 "F's"  (Fado, Futebol e Fátima) foi pouca ou nenhuma...

E, vá lá , vá lá, que em 1963 não havia a "Casa dos Segredos" e outras enxovias parecidas. Talvez até nem fossem permitidas, por causa da piscina. O "Botas" era retrógrado em tudo excepto na recomendação do vinho à refeição... Nesse aspecto estava adiantado.

O grande Millôr Fernandes, parafraseando Hegel  na Crítica da Filosofia do Direito ("Die Religion ... Sie ist das Opium des Volkes")  escreveu: "O Futebol é o ópio do Povo e o Narcotráfico dos Media"

E estava certo.

Gosto de futebol como gosto de bom cinema ou de livros que admiro. Mas cada macaco no seu galho pôrra!

Se calhar sou eu que estou a exagerar... Ou não.

Pode ser das alergias que não me largam este ano.  Atchim!!!

segunda-feira, janeiro 12, 2015

A época da caça

 Quem ainda não o fez em Novembro e Dezembro, por aguardar abastecimentos fidedignos,  é em Janeiro que prova as peças ditas "de caça" que por aí aparecem nas ementas dos restaurantes. Mesmo em cima da época da Lampreia, embora digam os entendidos que quem quer lampreia gorda e ovada terá de esperar mais uns dias, lá para Fevereiro.

Para efeitos gastronómicos que se apercebam nos pratos dos restaurantes das nossas cidades, caça-se em Portugal a perdiz, o coelho bravo, a lebre, o javali e, em jeito de consolação, os tordos e os passarinhos.

Galinholas e narcejas são para os previligiados (excepto as primeiras nos Açores). Gamos e veados nem sempre aparecem e, quando se dão a conhecer, nem sempre têm quem saiba tratar deles.

Muito do que se caça - salvo raríssimas excepções - é "criado" para o efeito. Perdizes completamente selvagens são hoje tão raras em Portugal  como os tetrazes grandes (galo silvestre). Salva-se desta "criação" em cativeiro alguma lebre e os coelhos bravos que, pela menor importância económica, não são considerados dignos de com eles se perder tempo e dinheiro para coutar.

São passados os tempos do Sr. João Morgado da Silva Goes (Alvito) que quando abria um dos seus montes para caçar e não apresentava 200 perdizes mortas no 1º dia, enchia-se de vergonha e no ano seguinte não convidava ninguém para ali...

Em Lisboa come-se uma boa perdiz no Galito. De três formas: à moda da Dº Gestrudes, escabechada e estufada. Para mim a primeira dá "10 a 0" às outras, sobretudo se o Sr. Henrique for avisado de antemão... Ainda no Galito podem comer-se nesta altura, passarinhos, tordos, lebre em diversas apresentações, como a famosa lebre bruxa (por encomenda), muitas vezes referida pelo nosso malogrado amigo Alfredo Saramago, e que  é divinal.

No Beira Mar em Cascais são famosas as perdizes à moda da Casa, em vinagre e azeite, mas sobretudo as galinholas, estufadas em vinho da Madeira, crâneo com bico disponível para degustar os miolos,  e com o paté das tripas ao lado em tostas.

 Será no Alentejo e em Trás-os-Montes que brilha mais intensamente esta época da "caça no prato". De Marvão a Beja, passando pelos incontornáveis de Évora, Fialho e Oliveira, sem esquecer as muitas pequenas locandas onde a arte da cozinheira se eleva ao nível do que lhe trazem para fazer.  E em Bragança lembro com saudade e gratidão o Geadas e o Solar.

Nem sempre de grandes complicações culinárias vive a caça. Disfarçar (ou realçar) o sabor da "faisandage" parece ser o objectivo das grandes receitas tradicionais. Mas  no campo a "moenga" é outra: simplicidade de meios e boa qualidade da matéria prima.

Mestre Mendonça muitas vezes me deu a comer a perdiz do ano, apenas grelhada e temperada com sal, e como esse simples pitéu - desde que a perdiz fosse mesmo boa - superava as combinações mais trabalhadas da cozinha tradicional!

 Coma-se a lebre  em Évora e em Bragança e apreciem-se as diferenças. Vejam como  azeite ou a banha de porco, ou o toucinho, fazem muitas vezes a diferença em ambos os lados.

E vejam sobretudo como é possível usar ambos,  em pratos cuja génese tanto pode ser alentejana como nordestina!

Lebre Bruxa (Receita de Nelson Banza - Santiago do Cacém))
  • 1 lebre
  • vinagre
  • azeite
  • toucinho grosso
  • banha de porco
  • 2 cebolas médias picadas
  • 3 dentes de alho picados
  • 1 molho de cheiros (1 folha de louro, salsa e 1 ramo de manjerona)
  • 2 copos de vinho tinto
  • sal e pimenta

  •  

    Esfole a lebre, aproveitando-lhe muito bem o sangue que deve guardar numa tigela com um pouco de vinagre.

    Numa caçarola grande deite as três gorduras: o azeite, toucinho grosso e banha de porco. Junte-lhes a cebola picada, o alho picado e até o ramo de cheiros, deixe alourar e depois  meta tudo num bom  tacho ao mesmo tempo  até a  cebola quebrar e ficar macia.

    Deite dois copos de vinho tinto e a lebre partida aos bocados grossos.

    Deixe ferver em lume brando durante 1 hora.

    Ao fim deste tempo separe a carne e passe o molho por um passador fino.

    Leve ao lume e adicione sal e pimenta.

    Deixe levantar fervura e deite o sangue que guardou.

    Ferva mais 5 minutos e está pronta.

    Falemos um pouco dos  vinhos tintos para acompanhar a caça . De facto, nestes tempos de mudanças em tudo "ao gosto do freguês", parece ser esta uma das últimas leis canónicas que se mantêm  no relacionamento entre a comida e os vinhos: tintos para a caça.

    Fora o escabeche! Nada acompanha bem o escabeche, a não ser um vinho rosado ou um branco gordo e encorpado (digo eu). Já experimentei também um espumante tinto e ficou bem.

    Para uma lebre ou uma perdiz estufada eu escolheria um Dão de grande categoria  como o  PAPE 2005 , que tem um pouco de Baga, ou um Bairrada clássico e antigo, Sidónio de Sousa de 2005 Garrafeira, por exemplo e se o encontrarem...

    Um alentejano de Borba - "Grande Reserva Tinto de 2009" -  é também uma boa opção. E mais barato, por cerca de 15 euros a garrafa!

    Outros haverá. No Douro, sem dúvida, e também em Trás-os-Montes, onde o magnífico Vale Pradinhos "Lost Corner" de 2010 (15 euros) parece ir muito bem com a inevitável gordura deste tipo  de confecção.

    sexta-feira, janeiro 09, 2015

    Para descansar a vista

    Obviamente em francês, aqui vai o habitual poema das sextas feiras.

    É de Rimbaud que, por uma vez, limita a sua habitual verborreia gigantesca às dimensões de um soneto.



    Sobre a juventude e sobre a liberdade de ser jovem.

    Ma Bohème

    Je m’en allais, les poings dans mes poches crevées ;
    Mon paletot aussi devenait idéal ;
    J’allais sous le ciel, Muse ! et j’étais ton féal ;
    Oh ! là ! là ! que d’amours splendides j’ai rêvées !


    Mon unique culotte avait un large trou.
    - Petit-Poucet rêveur, j’égrenais dans ma course
    Des rimes. Mon auberge était à la Grande-Ourse.
    - Mes étoiles au ciel avaient un doux frou-frou


    Et je les écoutais, assis au bord des routes,
    Ces bons soirs de septembre où je sentais des gouttes
    De rosée à mon front, comme un vin de vigueur ;


    Où, rimant au milieu des ombres fantastiques,
    Comme des lyres, je tirais les élastiques
    De mes souliers blessés, un pied près de mon coeur !


    Arthur Rimbaud, Cahier de Douai (1870)

    quinta-feira, janeiro 08, 2015

    Bater nos Palhaços

    Estava cheio de ganas para fazer hoje, aqui, uma crónica inflamada contra a barbárie passada ontem em Paris.

    Mas acho que a malta do Charlie não o desejaria. Se fossem vivos fariam outra capa a gozar com o assunto da carnificina, como era e será (não tenho dúvidas) o timbre da publicação.

    Em memória dos 12 de Paris aqui vai a homenagem ao humor e ao direito de gozar com tudo e com todos.

    O bobo da corte era bode expiatório dos pecados alheios. Servia de válvula de escape para que o grand seigneur não exercesse intempestivamente a justiça sumária, interpondo entre a ira e o réu algum véu de humor que desmontasse a trama.

    O "fou du roi" , o Bouffon medieval, era de dois tipos: o que sofria de doença mental e que fazia rir pela incapacidade, e o que artificialmente "fingia" ser um simples de espírito, fazendo da sua arte o protótipo do "animador profissional" que chegou aos nossos dias revestido de várias farpelas, desde o "clown" (Augusto ou Contra) até aos "compéres".

    O bobo seria , na interpretação de Mircea Eliade: "à la fois intelligent et stupide, proche des Dieux par sa ‘primordialité’ et ses pouvoirs, mais plus voisin des hommes par sa faim gloutonne, sa sexualité exorbitante et son amoralisme".
     
    Como um Rei (mesmo que o fosse) não podia parecer louco, criou-se a função de "louco do rei" para exorcisar esses fantasmas. Desta forma era usual nas cortes medievais mandar bater no palhaço ou mandar prender o bobo, quando este exorbitava as funções pelo excesso de sátira.
     
    Triboulet, talvez o mais famoso dos bobos dessa época (na corte de Francisco I) várias vezes se viu castigado pela imprudência. Dizer mal de um nobre era uma coisa, meter-se com a rainha ou com alguma dama cara a El-Rei seria outra muito diferente, e normalmente dava azo a penitência.
     
    Matar o bobo da corte parece que já foi moda antigamente. O Imperador romano Galienus mandou queimar o dele vivo, não se sabe bem porquê..  Mas não gozou muito depois desse acto. Galienus foi por sua vez assassinado pelos seus guarda-costas algum tempo depois...  
     
    Mas fora esses percalços, à medida que uma sociedade se apurava mais respeito grangeavam os seus humoristas e "entertainers".
     
    Tivemos que esperar muitos anos até que a civilização conseguiu enobreçer a profissão do "faz tudo". Do brincalhão deus  Loki dos mitos escandinavos a Triboulet, e deste a Artur Mendes de Abreu (o grande palhaço Porto, como era conhecido em França) até Oleg Popov, rei dos clowns, ou até  Jon Stewart passaram alguns milhares de anos.
     
    Milhares de anos de apuro da raça humana (bem sei que houve percalços pelo meio, mas  a bissectriz foi o caminho para a civilização) honraram o saber fazer sorrir e o  riso como formas superiores de inteligência.
     
    Não serão agora uns animais que nunca aprenderam a  rir que vão alterar as coisas...Com um pedido de desculpas aos verdadeiros animais, incapazes destas misérias.
     
    Je suis Charlie!

    quarta-feira, janeiro 07, 2015

    Brancos de Inverno

    Um pequeno Post , destinado a responder a alguns amigos que questionam se existem vinhos brancos ditos "de Inverno".

    Esta matéria tem sido tratada por quem sabe muito mais do que eu, na Revista de Vinhos e noutros lados, pelo João Paulo Martins (por exemplo). Mas não custa aqui deixar a minha achega.

    Do meu ponto de vista os grandes vinhos brancos do Inverno  devem aquecer o corpo e o espírito (e com o frio que está ainda com mais razão).

    Primeiro que tudo têm de ser servidos à temperatura ideal, que nunca deverá baixar dos 10 graus. E depois, devem ser encorpados, estagiados em madeira, com grau álcoolico que baste, de preferência com alguma complexidade e a acidez suficiente para , juntamente com a mineralidade, equilibrar o álcool.

    Nota: Ter sempre em atenção a regra de ouro  "O aroma dos vinhos é incrementado a 18º C diminuído a 12º C e neutralizado a menos de 6º C"

    Algumas dicas  para estes grandes brancos  incluem o Primus da Quinta da Pelada, O Vinha do Contador (de Santar), o Pera Manca e o Esporão , e ainda alguns Bairrada, com o Vinha Formal de Luis Pato e o Quinta das Bágeiras Reserva a saltarem para a memória.

    E devo dizer que os grandes Alvarinhos de Anselmo Mendes (Curtimenta) ou o Soalheiro Primeiras Vinhas também resolvem bem esta aparente contradição de beber algo fresco no meio da invernia.

    Um consolo para um final de manhã a roçar os 5º será uma terrina de boa sopa de peixe à moda de Sesimbra, aromatizada com as ervas tradicionais, e acompanhada por um destes grandes brancos, servido a 10º ou 11º.

    terça-feira, janeiro 06, 2015

    Asnear

    Asneira virá de "asno"? 

    Suponho que sim, embora me pareça neste caso mal empregue a etimologia da palavra, já que os "asnos" que são burros são muito espertos.

    Temos até tido várias propostas para fazer uma emissão de selos dedicada aos burros de raça portuguesa.

    Os de 4 patas, está claro, porque para fazermos uma emissão dos "burros" de duas patas não haveria no mundo programa filatélico suficientemente grandioso para englobar todas as criaturas portuguesas dessa laia.

    Contudo , e como dizia o sempre lembrado Professor Brito,  dos Salesianos do Estoril,
    - "Há os burros e depois temos os que abusam dessa qualidade!".

    Tratava-se de uma época em que se podia chamar "burro" ao aluno sem o impetrante ir preso preventivamente. E onde até era possível dar-lhe uns "calduços" sem perigo de ser imediatamente enviado para Guantánamo.

    Tenho saudades desse tempo. Não por causa dos métodos "musculados" do ensino eclesiástico, mas sim porque tinha a vida toda à minha frente.

    Não defendo que hoje em dia se insultem as crianças, nem sequer (ou sobretudo) que se lhes aqueçam as orelhas manualmente sem recorrer ao cache-col. Todos evoluímos e bem.

    Mas a asneira grossa continua a ser observada a toda a hora a todo o momento, dentro e fora de casa. Sendo que não é exclusiva da nossa actual Juventude, embora nessa classe etária se dê mais por ela...

    Casos como estes que aqui relato por os ter presenciado, lido, ou visto nas TV's:

    O plural de "Vale" ser "Vais";  o facto de, quando chegaram as autoridades,  "o cadáver se encontrar rigorosamente imóvel"; aquela questão moral em que a Sabedoria e Experiência seriam as "duas mãos do mesmo braço"; aquela estranha situação (do Brasil) onde a "vítima foi estrangulada a golpes de facão".

    Existem, aparentemente, pessoas que contrairam a doença mortal na época em que "ainda estavam vivas"; E foi uma grande melhoria o ter-se finalmente instalado àgua -corrente no cemitério, "para grande satisfação dos habitantes". E a grande verdade de ser na cidade do Porto que "o povo é o mais hospitalar do país".

    E etc, etc... Sem querer entrar no futebolês, onde apenas menciono a jóia (referindo-se ao grande jogador Deco) : "O Deco é Invendável, inegociável e imprestável!".

    Agora, tendo tudo isto em perspectiva, num território onde encerrou aquela preciosidade indelével que foi a "Casa dos Segredos",  andarem por aí a dizer que só o ancião Mário Soares tem ultimamente "asneado" neste país não será uma afirmação demasiado "ponderada" e "limitada"?

    Não estaremos a ser injustos para os "outros" , os grandes candidatos ao Nobel da asneira?

    Segundo um aluno  lusitano, "Antes de ser criada a Justiça o Mundo era todo injusto!".

    Ora a Justiça parece-me, dá-me a ideia, que já foi criada? Pode é ainda ser adolescente...


    segunda-feira, janeiro 05, 2015

    Passagem de Testemunho

    Comprava-se o Expresso em minha casa desde o primeiro número, embora meu Pai (que era funcionário público)  chegasse a ser interpelado no Ministério por entrar aos Sábados com “aquilo” debaixo do braço…

    Quando comecei a ganhar dinheiro como assistente na faculdade, em Outubro de 1977, decidi que era a minha vez de cumprir o dever cívico dessa aquisição. E nunca mais deixei de o fazer.

    Já nessa altura (começou em 1976) José Quitério escrevia a sua crónica de gastronomia no semanário. E não seria apenas por ela que o Expresso me sabia tão bem como o primeiro café da manhã, mas era fundamental para compor o ramalhete.

    Probo, ridiculamente honesto, senhor de enorme cultura geral que o leva a discorrer também pela Tauromaquia e pelo Tango, José Quitério diz que a sua actividade não tem segredos. Era preciso provar muito e ler ainda mais. Ter cuidado com as fontes e nunca abdicar de pôr em causa conceitos e lugares desde que a experiência não os recomendasse. E estudar. Estudar sempre.
    Dois textos de Quitério tenho como exemplares. O seu panegírico ao nosso Bacalhau, “Um Adeus Português”, de tal forma impressionante que David Lopes Ramos o  considerava o mais notável texto feito sobre o assunto na nossa língua, tendo-o várias vezes citado ipsis verbis. E o que dedicou aos 50 anos da morte de Manolete, em Agosto de 1997. Ambos publicados no Expresso.

    O gosto pela nossa cozinha, pela investigação dos detalhes curiosos a ela associados e por procurar onde  bem comer devo-o a ele. E foi esse interesse, semanalmente espevitado, que permitiu  mais tarde incluir na minha actividade profissional esta faceta nobre da divulgação dos usos e costumes gastronómicos lusitanos.
    Foi com o José Quitério que começámos a aventura da divulgação mundial da gastronomia portuguesa através dos selos postais. Portugal foi o primeiro país do mundo (em 1996) a colocar nos selos de correio imagens com os  pratos tradicionais de cozinha, e esse facto a ele se deve. Hoje muitos países nos imitam.

    Os CTT Correios de Portugal já emitiram 73 selos e 15 blocos filatélicos dedicados à Gastronomia de Portugal,  com uma tiragem conjunta de mais de 19 milhões de unidades.
    E, para além disso, temos 9  livros sobre temas de gastronomia também editados ou no prelo, com tiragens conjuntas de mais de 55 000 exemplares, tendo sido o primeiro “Comer em Português”, de José Quitério, lançado em 1997. E os dois  últimos serão lançados em Abril  e Junho de  2015  -  “Conversas de Café” de Fátima Moura e “A Dieta Mediterrânea” de Fortunato da Câmara.

    Presumo que, em termos de quantidade de mensagens que circulam por todo o mundo através dos nossos selos e dos nossos livros bilingues, serão os Correios de Portugal dos mais prolíficos divulgadores dos usos e costumes gastronómicos do nosso país.
    E tudo começou pelo Expresso e pelas crónicas do José Quitério.

    O fim do ciclo aproxima-se, com o anúncio feito na última edição do Expresso (3 de Janeiro de 2015) sobre a substituição de José Quitério na autoria da crónica semanal de gastronomia , por motivos de saúde. Nesta passagem do testemunho felicito o Expresso pela escolha do substituto , e transmito a Fortunato da Câmara  desejos sinceros de boa fortuna. Saber e Vontade de bem fazer não lhe faltam.
    Mas não posso deixar passar a ocasião sem agradecer ao “Zé” por todos estes anos, enviando-lhe desta forma um abraço bem apertado.  

    E grande. Tão grande  como só ele foi e ainda é, em todos os sentidos.

    Obrigado meu Amigo, por todos estes anos.