quinta-feira, fevereiro 09, 2012

O "Marreco" dá sorte?

"Marreco" pode ser ( e é) o nome que nalguns locais do país chamam ao "Pato".

"Marreco" também já foi, em tempos idos, um insulto forte que se fazia em alta voz, publicamente, ou, atualmente, um insulto fraquinho lançado ao ar quando a prudência o aconselha:

"-Oh Marreco pôe lá a M*** do filme a andar!"
(isto quando a projeção de cinema era ao ar livre)
" - Aquele Árbitro é um ganda Marreco!"
(injunção de um adepto nacionalista para o Sr. Proença , estando na presença da Autoridade)
" -Ah Seu  Filho de uma ganda P*** e de um Pai todos os dias  C*****!!"
(a mesma coisa fora do alcance dos ouvidos da Autoridade)

 "Marreco" , em português do Brasil, significa um simples, um pobre diabo, alguém desprovido de inteligência e que  - por causa disso - se torna no bobo da corte para amigos e conhecidos.

Utilizar "Marreco"  como sinónimo de "Corcunda"  ( indivíduo que tem defeito na coluna vertebral do qual resulta uma protuberância disforme nas costas, causada por qualquer afecção que deforme os ossos da parte superior da mesma coluna) é feio, imoral e pouco cristão...

Mas apesar  disso (ou por causa disso) essa aplicação é  muito utilizada, sobretudo no linguarejar de rua, nas cidades e nos campos.

Todavia, o que traz hoje aqui a condição de corcunda que em calão pode ser indevidamente chamada "marreca" , é que havia em Cascais um cauteleiro com córcova (portanto com corcunda)  a que  chamavam impropriamente  "o marreco", que fazia o melhor negócio de todos os colegas a vender  a "sorte grande" porque muita gente acreditava que a "marreca" dava sorte...

O meu pai comprava-lhe cautelas (nunca lhe saíu nada, mas isso também não é para aqui chamado) e muitos dos nossos amigos faziam o mesmo. Alguns - lembro-me bem disso e de ter questionado o porquê da coisa - depois de lhe comprar o jogo despediam-se com um apalpão nas costas (na "marreca")  do homem. Segundo parece, tocar na "marreca" também era um gesto que "dava sorte".

Nota 1: Imaginem que a tradição em vez da "marreca" tinha ditado que fossem , por exemplo, os traseiros  das mulheres alheias a terem de ser tocados para "dar sorte"...Sobretudo se fossem peixeiras lá na Praça de Cascais, ou no Bulhão, ou por esses lados...  Havia de ser bonito.. Mas adiante que divago.

Intrigado com aquela história, descobri depois mais detalhes sobre o antiquíssimo costume e não menos antiga crendice. Segundo parece,  já alguns povos antigos também acreditavam que passar a mão na corcova de um corcunda era considerado bom presságio.

O insuspeito "Oxford Dictionary of Folklore " diz sobre este tema:
"For the first half of the 20th century, at least, it was considered lucky to touch the hump of a humpbacked person. The first known reference is in The People (11 June 1899, quoted in N&Q 9s: 3 (1899), 486), but here it is implied that the belief is much older. Two other 20th-century references in Opie and Tatem make it clear that people disabled in this way could play on the superstition by charging money for the service at race-meetings and the like."

A superstição em causa deve ser muito mais antiga. Os romanos contratavam corcundas como servos  para atrair sorte. E os egípcios tinham um deus corcunda, patrono dos lares e protetor das crianças e famílias,  chamado Bes.

Nota 2: Bes , não BES! E esse deus corcunda egipcio aparentemente não era só corcunda, mas tinha mais uma data de defeitos físicos, a raiar a malformação crónica . O  Bes, não o BES, ouviram?

Agora que penso nisso, o Sr Saavedra, meu cauteleiro habitual da porta da Versailles, e "crava" de um cafézinho sempre que me vê,  marreco não parece ser, mas tem uma perna mais curta do que a outra e coxeia que se farta...

Também é verdade que o máximo que me deu (para aí uma vez de 3 em 3 meses) foi a terminação da cautelazita...

Se isto fosse caça, o   meu cauteleiro  seria conhecido pelo "pombo-mocho" (o caçador  mais que nabo que disparando para um bando de pombos mata um desgraçado de um mocho a dormir em cima de uma árvore).

E - sem querer ofender,  mas abandonando o politicamente correto e impropriamente falando - se o  saca** do "coxo" fosse "marreco"?   Não seria de o alugar ao Dr Passos Coelho?

Ganhava eu (poupava no mínimo 10€ por semana) e ganhava o país.

Podemos sempre sonhar...

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