Quarta de Cinzas marcava o início da Quaresma, depois do regabofe carnal e carnavalesco (de etimologia semelhante) que dava nas gentes deste País naturalmente mansas e cordatas.
As feijoadas com cabeça de porco ou os cozidos á portuguesa, que constituiam as refeições do Domingo de Carnaval e da Terça feira Gorda , dão lugar ao recato dos dias magros, de contemplação da paixão de Cristo para os crentes.
Mas antes disso já as antigas doutrinas (judaicas, celtas) teriam estabelecido a sageza da alternância higiénica entre os exageros do consumo da carne vermelha e a dieta de carnes brancas ou peixes (frescos, fumados ou secos) que aliviava os estômagos e acalmava as entranhas.
Foi neste contexto que Dom Bacalhau apareceu aos indígenas deste rectângulo como a oitava maravilha do Mundo: pelo baixo preço (a pataco, en su tiempo...), pelas inúmeras formas de o preparar, pela longa temporada de conservação, pela miscigenação mais que perfeita com o Azeite nativo e ...o Tinto do Lavrador (fosse isso o que fosse, em 1900 ou actualmente...).
Nos lameiros da Estrela, onde a família há mais de 300 anos cultivava as batatas, na Quaresma o Bacalhau compartilhava - com o Polvo - os lugares de honra das mesas mais abastadas, dos comerciantes de gado e dos pastores proprietários que mantinham, para além dos rebanhos de centenas de ovelhas , os competentes pastos para as alimentar.
Vida de Pastor, má como as cobras , só era melhor do que a vida da ...Mulher do Pastor. Esta, para além de ter de fazer os queijos e cuidar dos mesmos, ainda tinha de alimentar a "família" (incluindo os ajudantes "criados" lá em casa , que trabalhavam pela comida e pelo alojamento) e, nas alturas das feiras, carregar na cabeça com as canastras de queijos durante quilómetros a fio... De Seia para Gouveia - 16 Km a pé... De Seia para a Carrapichana, quase uns 30 Km, feitos durante a noite para as feiras pombalinas de gado, em Novembro e Setembro.
A malta de hoje...com os seus ginásios e "malhações" é que deveria tentar estas aventuras, a pé e com uns 10 kg de queijo, ou mais, empoleirados à cabeça...
Mas adiante...
Nesses tempos e segundo ouvi dizer, um dos pratos favoritos dos Pastores era o Bacalhau de Lagarada. Interpretação mais ou menos fiél do bacalhau com batata a murro, mas que aqui deixo tal e qual a costumo comer no sopé da "mais alta"...
Como em muitas outras receitas da nossa província, o fundamental não é tanto a forma, mas sim a qualidade de todos os ingredientes: bacalhau bem seco e de posta alta e lascável; batata de qualidade superior ( se possível utilizem a batata rajá, branca por fora e amarela por dentro, ideal para esfarelar); azeite extra-virgem e ...couves da nossa horta (isto é que será mais difícil...).
Ingredientes : Uma bela e alta posta de bacalhau por conviva, demolhadas e limpas; azeite do melhor; broa de milho em pedaços; uma boa folha de couve portuguesa, bem tenra, por pessoa; ; vários dentes de alho sem casca; 4 a 5 batatas pequenas por pessoa; sal grosso a gosto
Receita: Lavar a batata e assar no forno com o sal grosso. Quando estiver macia, remover o sal e apertar a batata com a palma da mão. Limpar, lavar e cozinhar a couve em pedaços grandes. Escorrer e reservar. Assar as postas de bacalhau até dourarem, numa grelha untada com uma colher (sopa) de azeite. Numa panela de barro, despejar o azeite restante e o alho picado. Juntem o bacalhau, a couve, a batata e a broa de milho. Levem ao bico grande do fogão por 10 minutos, mexendo às vezes com cuidado. Retirar e servir.
Bom apetite!
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