quarta-feira, janeiro 14, 2009

Um conto à moda de Philipe Marlowe


O Último Robalo de Mar
(história disfarçada em ficção policial, à moda de um”film noir”)

Há mais de 3 anos que eu não frequentava o famoso restaurante “A Enseada de Santa Ana”. Falta de dinheiro, obviamente. Por isso e por estar intrigado com a sugestão da Cliente para nos encontrarmos para almoçar em casa tão conhecida da “linha”, acabei por aceitar.

Quando a vi percebi logo… A “Enseada” – um dos poisos mais caros do País - devia servir-lhe de cantina… Via-se à distância que destilava classe. No tailleur Dior preto a mostrar-lhe o vale dos seios, no discreto Patek em ouro branco ou platina, na fila de pérolas que lhe adornava o pescoço, mas sobretudo na pose. Mais de um metro e setenta, treino de bailarina evidente na forma como movia as pernas e o tronco ao aproximar-se de mim, timing perfeito, incluindo os 10 minutos de atraso que fazem parte dos hábitos das mulheres deste tipo.

Pediu um Vodka Tónico enquanto esperava pela ementa , fazendo companhia ao meu “marlowniano” Jack Daniels. Começou com ares de intriga: -“ Ainda bem que conseguiu vir. Podemos falar do assunto enquanto tomarmos o café? Gosto de apreciar a comida sem a estragar com conversa de negócios”.

Concordei, no fim de contas eu recebia ao dia, 250€ por dia mais as despesas, e era ela que pagava…Por enquanto.

O empregado trouxe-nos o “último robalo de mar “ que estava disponível nesse dia. A minha companheira de mesa nem pestanejou. Naquela casa nunca entrava peixe que não fosse selvagem, pescado em alto mar, pelo que achei insidiosa a afirmação. Algum código só para os ouvidos dela?

Já com os cafés nas mãos, chegou finalmente o motivo do convite: O marido andava “muito estranho” ultimamente. Esquecia-se de tudo, nem falava aos filhos, trabalhava fora de horas duas ou três vezes por semana e - para cúmulo – não lhe tinha dado explicação satisfatória para uma ausência de 4 dias em Viena… "Negócios inadiáveis", foi o que lhe conseguira arrancar…

-“É só isso? “ Perguntei-lhe eu. - “Sim, só isso e já não é pouco..”

Nunca é “só isso”. Por norma todas as mulheres, mesmo ainda sem o saber, começam traídas na cama. Falta de atenção do “hubbie” nos cuidados mais íntimos, mero cansaço, pois então, ou desculpas com o ritmo do trabalho. Mas nenhuma está à vontade para o confessar, pelo menos num primeiro encontro deste tipo.

- “Onde trabalha o seu marido? Tem alguma fotografia recente? Ele tem
hábitos de rotina? Vai sempre ao mesmo Restaurante? Frequenta o mesmo Bar?”
As perguntas da praxe que qualquer sherlock de algibeira tem de fazer.

Separámo-nos com um pedido estranho: -“Por favor pague o Senhor o almoço que eu reembolso-o ali no carro. Fico sem jeito a puxar pela carteira neste local…” Por acaso teve sorte. O meu cartão de crédito estava – como sempre - “tapado”, mas o banco autorizava-me um descoberto todos os meses (agradecimento do gerente por um trabalhito que lhe fiz e me saíu bem) e foi por causa disso que pude pagar os 170€ de dois almocitos…

À saída não pude deixar de reparar na mesa do canto. Lá estava um colega da minha profissão, ainda "verde" como a relva, a tentar esconder por detrás do Diário de Notícias a máquina digital.
Fui atrás dela até ao Mercedes CLK descapotável e já estava à espera do que se seguiu . Depois de me pagar, com um braço puxou-me para ela e deu-me um xôxo dos antigos, daqueles que se viam nos filmes do Visconti e a que chamávamos “beijo à cinéfilo”. Demorou o tempo suficiente para ser fotografada à vontade. Eu fui deixando, mas no final sempre lhe disse:

-“ Olhe, se queria encenar uma coisa destas só para fazer ciúmes ao parvo do seu marido podia ter dito logo, porque eu ficaria pelo beijo e pelo almocito. Assim vai ter de me pagar também os 250 euritos deste dia estragado!”

“-Com todo o prazer…Mas só se me beijar outra vez…”

Um gajo não é de ferro.

Mais tarde vim a saber que o marido era suspeito no escândalo do BPP e que estava ausente em parte incerta. Nunca mais a vi , pessoalmente, mas dizem-me que teve de vender o apartamento na Lapa e a casa de férias na Granja. Parece que os filhos , já adultos, tiveram de se fazer à vida e que ela hoje habita um monte, perto de Beja, a única coisa que lhe ficou de uma vida de luxo absoluto.

Não sei porquê deu-me uma vontade súbita de ir a Beja… Logo que ponha as pastilhas novas no meu Volvo “vintage” (acho que com mais de 20 anos já é “vintage”) vou até lá…

No fim de contas num "monte" deve haver cavalos e eu sempre gostei desses animais...
E um beijo daqueles não é fácil de esquecer.
Quem sabe, pode ser que a vida comece aos cinquenta (e três).

Um comentário:

Anônimo disse...

Vá, Vá Homem´, vá que eu também ia, se pudesse. Ir ao monte alentejano e depois cavalgar pelo vale dos seios......é mesmo gostar de cavalos e......do resto.
Peninha