Esta história de acordar com dores nas costas e na perna lembrou-me a explicação que lá em cima na Serra se dava sempre que alguém se queixava do mesmo:
"Deu-lhe um Jeito. Foi um Jeito que lhe deu".
A palavra "Jeito" explicava as artroses, os bicos de papagaio, a dor ciática (cabrona de m***!); os torcicolos e outras entorses.
O "Jeitoso" do endireita tomava normalmente conta destas ocorrências. Aparentemente esta era uma daquelas maleitas onde o médico "só estrovava". Médico e remédios eram para quando havia febre.
O tal "jeitoso" podia ser algum ferrador de bestas, perito em queimar o nervo atrás da orelha com um ferro em brasa, operação que faria mitologicamente desaparecer a dor. O que se passava era que a dor da queima era de tal ordem que superava qualquer outra dorzita que a "besta" trouxesse à forja...
Mas podia ser também um homem de virtude e saber, que cuidava de pôr os ossos e os tendões no sítio certo, através de manipulações adequadas. Era o antepassado dos quiropráticos de hoje.
O avô da minha mulher era comerciante de gado, pastor e queijeiro. Levava com ele 5 cães da serra mais 3 ajudantes e quase 500 ovelhas pelas encostas da Estrela acima. E quando estavam marcadas as maiores feiras de queijo, na Carripichana ou em Gouveia, era normal fazerem 20 ou mais km com as cestas dos queijos à cabeça, durante a noite, para estarem de madrugada na Feira.
As pernas (as "patas" como ele dizia) eram o maior "activo" que ele posssuía naquela altura, por volta de 1940. Sem pernas como podia fazer a sua vida?
Ora um certo dia , depois de uma queda aparatosa ficou com um "problema" numa das pernas que o apoquentava imenso. Recorreu ao amigo "endireita", mas desta vez o "jeitoso" não teve habilidade para resolver o assunto. E como era pessoa honesta e sensata, depois de lhe ligar fortemente a perna recomendou que "fosse a um hospital".
O Hospital era em Coimbra, a quinta era entre Seia e Gouveia... as ovelhas não esperavam pela ida ao hospital e, para além disso, meteu-se-lhe na cabeça que podia por lá ficar alguns dias internado, o que só piorava a situação de trabalho.
Com estas e com outras deixou passar o Março, o Abril e o Maio. E foi apenas a Coimbra em Junho, altura em que as ovelhas já não tinham leite e o trabalho era mais comedido.
Feita a radiografia o que se descobriu foi que tinha partido a perna... E é claro que, depois de 3 ou 4 meses, a fratura tinha sido "naturalmente" regenerada, embora essa perna até ao fim da sua vida (morreu com 95 anos) tenha sempre ficado mais curta do que a outra.
Quando questionado se "não tinha sentido dores" naquele período, sempre caminhando sobre a perna, o Avô Correia dizia que "tinha lá aquele Jeito ao fundo da canela, mas que o importante era apertar bem as ligaduras e massajar todas as noites com aguardente".
Teve sorte? Disseram os médicos que teve mesmo muita sorte. Ou então, como se dizia também na Beira:
" Se se salvou foi vontade de Deus. Caso tivesse morrido, a culpa era do médico"
Onde ele nunca foi...
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